A Espera de Liz

3/19/2022 02:14:00 AM |

Sempre vou preparado com algumas pedras no bolso quando vou conferir longas introspectivos, pois na maior parte das vezes os diretores não costumam entregar sua opinião pessoal jogando finais nada a ver com todo o desenvolvimento, ou então abrem tantas vertentes durante a exibição que acabam não sabendo exatamente como fechar o filme resultando em algo confuso ou sem nexo algum, mas felizmente o diretor Bruno Torres foi bem centrado e deu um fechamento para seu longa de estreia "A Espera de Liz" que tem toda uma desenvoltura bem fechada, cheia de nuances travadas pelas protagonistas, com uma dúvida depressiva pairando no ar durante quase toda a exibição, uma fotografia incrível bem marcante do sul do país e de algumas paisagens venezuelanas, mas quando tudo parecia ter um norte fechado e pontual eis que o diretor resolveu atuar, colocando algo que mudou completamente todo o vértice e abriu ainda mais as possibilidades de fechamento, mas uma frase no telefone e um reencontro final foi escolhido, e a desenvoltura é bem completada. Ou seja, é um filme que muitos vão achar extremamente estranho, mas é interessante dentro do contexto todo, por incrível que pareça não é uma obra que dê sono (e olha que a sessão por aqui está bem tarde e fui conferir depois de uma semana bem cansativa de trabalho), e tendo um fechamento convincente até foi bem executado ao ponto de podermos indicá-lo, só não espere algo memorável, pois aí já era pedir demais.

O longa nos conta que Liz está vivendo um momento de incertezas na vida, seu cônjuge desapareceu e ela não sabe de mais nada na vida, caindo em uma profunda depressão. Sem saber o que fazer ou à quem recorrer, ela decide procurar respostas para compreender o motivo do desaparecimento de seu companheiro Miguel. Em meio às buscas por explicações esclarecedoras, Liz recorre a Lara, sua irmã mais nova, para apoio em sua jornada. Juntas na mesma casa por alguns dias, aos poucos, as duas resgatam a relação que tinham quando crianças, antes turbulenta. Tornando-se mais intensa a cada dia, ambas revisam seus passados com a outra, fortalecendo o amor e a admiração. Mas, não querendo magoar a irmã, Lara guarda o segredo que desvenda o desaparecimento de Miguel. Enquanto Liz continua procurando por respostas, ela mesma encontra as respostas para si mesma que a faz desabrochar e achar o poder de sua individualidade.

Diria que o ator Bruno Torres querendo ir além criou bem toda a perspectiva ao desenvolver o roteiro junto da atriz Simone Iliescu, e pensar bem em como dirigir ambos para que o filme fluísse bem, ao ponto que vemos ambos em seus momentos reflexivos, sozinhos, e principalmente refletindo sobre a solidão que sentem e como isso lhe faz bem ou mal, e assim o longa tem uma abertura ampla para os dois lados da tristeza e do se autoconhecer, que acaba funcionando bastante e não incomoda facilmente como geralmente ocorre com o estilo, ou seja, acabamos vendo algo que tem uma intensidade dramática bem alta que envolve e engloba bem os personagens, fazendo com que o público entre na mesma onda reflexiva, e assim vamos pensando em várias possibilidades sobre todos em cena, e isso é quase um exercício bem dosado e intenso. Ou seja, a ideia completa do longa é bem bacana, tem toda uma perspectiva forte, e até poderia ser melhor montada eu diria, pois os atos de Bruno todos no final acabaram sendo quase um epílogo na trama, e assim meio que do nada ficamos pensando se é uma memória do passado, ou o que desejavam passar com aquilo, para aí somente após o telefonema juntarmos as peças e tudo funcionar, ou seja, poderia ser melhor em vários sentidos.

Sobre as atuações Simone Iliescu se doou tanto para sua Liz, que chegamos a pensar até que o marido está morto ou algo do tipo pelo tamanho da introspecção que a jovem se joga, e usando e abusando de olhares bem expressivos, de movimentos densos e todo um gestual forte acaba nos permeando de muita emoção e uma síntese bem marcante, ou seja, se jogou demais e acertou perfeitamente no que fez. Rosanne Mulholland foi muito emotiva com sua Lara, entregando uma nuance perfeita junto da outra protagonista, criando uma química singela, marcante e cheia de intenções mostrando estar bem conectada com o que a personagem necessitava, e assim sendo uma grata surpresa em cena. O diretor Bruno Torres atuando até foi bem denso, deu boas perspectivas ao papel, chamou a responsabilidade expressiva para si em diversos atos, mas seu papel acaba sendo algo meio que desnecessário para a trama, ao ponto que poderia ser apenas uma referência emotiva para as jovens e isso funcionaria apenas por telefone, sem a necessidade do gasto cênico na Venezuela, mas já que gravou, ao menos não decepcionou. Quanto aos demais, diria que enrolaram demais na festa, sendo uma cena imensa quase que desnecessária para a trama, aonde com certeza gastaram muito para apenas colocar as jovens no miolo já deprimidas, mas já que foi feita e tendo de falar das atuações daria o destaque para exagerada atuação de Murilo Grossi com seu Martinelli, pois os demais foram quase tão figurantes que mesmo os pais das moças não deram muito para o longa, parecendo até meio que jogados na produção.

Visualmente o longa é lindíssimo, pois ambientado no sul do país com as famosas araucárias sendo mostradas a todo momento, um clima frio e chuvoso cheio de neblina para necessitar até acender uma lareira e botar as echarpes no pescoço, tendo uma festa imensa de início, e ainda contando com muito simbolismo entre o dar a luz com fotografia, mostrando elementos de tudo quanto é tipo para criar essa ambientação, agradando bastante com tudo, além claro das belíssimas cenas na Venezuela, que volto a frisar que foi um gasto desnecessário, mas que já que quiseram fazer, fizeram bem feito, com uma gramatura de imagens até meio estranha parecendo ser algo de época, com um tom forte e simbólico para representar bem a solidão, ou seja, a equipe de arte e de fotografia brincou, teve suas alegorias bem usadas e ousadas, e agradou.

Enfim, é um filme denso, com uma proposta determinada em cima de toda a solidão, introspecção, memórias, sentimentos e claro a criação em si, que quem gosta de filmes artísticos vai entrar completamente no elo da trama, mas quem não for desse time vai acabar dormindo ou reclamando demais, então é daqueles com um público bem determinado que vale a indicação, mas com algumas ressalvas. E é isso meus amigos, eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.


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