Além do Tempo (Zee Van Tijd) (Sea of Time)

4/22/2023 01:48:00 AM |

Muitas mães facilmente diriam que a dor de parir um filho é enorme, mas perder ele é infinitamente pior, e o luto acaba sendo algo quase que eterno que se reaberto as feridas precisam ser muito bem tratadas para conseguir falar sem criar o caos. Diria que esse começo de texto que coloquei para falar sobre o longa "Além do Tempo" até simplifica demais todo o teor dele, pois chega a ser dolorido demais ver a mãe gritando o nome do filho no barco, depois vermos ela indo para a praia diversas vezes achando que o filho voltou, e tudo mais, porém o ponto de vértice da protagonista saindo de casa e abandonando o marido num ato estranho fica ecoando em nossas mentes até o ato final, pois assim como o protagonista da trama, não conseguimos entender direito o motivo do seu sumiço, mas as conversas no presente refletindo o passado acabam ecoando muitas lembranças, trazem sínteses, e quando vemos uma cena depois, tudo faz muito sentido, trazendo algo intenso e marcante, que felizmente o diretor soube fechar sem precisar mostrar muita coisa, e a nuance toda acaba bem completa. Ou seja, é daqueles filmes sentimentais com o drama na medida certa, que impacta bem do começo ao fim e tem uma entrega intensa tanto dos protagonistas jovens quanto deles adultos, o que mostra uma boa direção de elenco e o completo entendimento do roteiro pelos atores.

O longa nos mostra que Lucas e Johanna vivem nos anos 80, perdidamente apaixonados, em um mundo cheio de sonhos e ideais. Então, um acidente desastroso, durante sua viagem de barco no Atlântico, os separa. Trinta e cinco anos depois, no outono de suas vidas, os dois se reencontram e seu amor profundamente enraizado ainda é muito forte. Johanna ousará confiar em Lucas e deixá-lo entrar em seu profundo segredo do passado?

Diria que o diretor Theu Boermans soube usar bem o roteiro de Marieke van der Pol, pois seu filme como já disse no começo tem uma síntese bem moldada que facilmente poderia se perder com dois elencos bem diferentes que precisariam se conectar para entender tudo, e ele vai entregando cada ponto de uma maneira simples e objetiva, porém sem deixar que o filme se alongasse muito, de modo que tudo acaba sendo bem sintético e interessante para retratar tanto o sofrimento da família na perda com os atores jovens, e depois toda a reflexão ao voltar a tocar na cicatriz seja pela mulher que tenta proibir a peça do ex-marido quanto na memória afetiva dele de homenagear o filho e tentar fechar o seu sentimento ali, ou seja, o luto é enfrentado muito bem em todos os sentidos com brilhantes expressividades e símbolos, o que faz funcionar bem tudo, e ainda para fechar bem existe uma peça  em formato de ópera sendo feita, e a representação cênica mostrada no final é brilhante de ver. Ou seja, o diretor brilhou muito, e finalizou ainda melhor, pois conheço muitos que colocaria a cena final de pelo menos mais uns 10 minutos entre choros e apresentações, e ele com apenas um drone indo embora simplificou de forma linda.

Sobre as atuações, diria que Sallie Harmsen deu um tom inicial de desespero com sua Johanna jovem, depois partiu para o lado de anestesiada com os remédios, e misturando um pouco de distorção a tudo, quando resolveu mudar a ficha teve um impacto diferente do que poderia esperar, e com isso a atriz foi bem direta, sem artificialismos, e impactou como deveria. Reinout Scholten van Aschat foi seco e direto com seu Lucas jovem, trabalhando sim com emoções a flor da pele, mas usando a emoção mais bruta como deveria, e sendo fechado, chamando muita atenção no que fez e isso foi muito bom de ver, agora um grande trunfo da produção é que sendo filho de um grande ator, sua versão mais velha ficou a cargo de seu pai real, Gijs Scholten van Aschat, que também manteve o ar mais fechado, mas se verteu mais para um rumo de diretor de peças, com nuances mais requintadas e segurou bem a onda para repassar o passado na tela. A versão mais velha de Johanna ficou a cargo de Elsie de Brauw, que também ficou bem estilosa e cheia de facetas, conseguindo chamar atenção e emocionar com segurança, de tal forma que se na versão jovem víamos mais gritaria, aqui vemos os dois velhos apenas se pontuando, e isso ficou muito bom de ver. Quanto aos demais, não vemos tanta entrega, tendo algumas aparições dos pais dos personagens dando seus conselhos e jogando a bola para os mais jovens, mas sem dúvida mesmo quem fez cenas bem bonitas foi o garotinho River Oostering com seu Kai.

Visualmente o longa tem um início bem marcante com cenas num barco com a família passeando por vários lugares, se filmando e tendo as devidas desenvolturas naquele ambiente como pescas, aprendizado de velas, mergulhos e tudo mais, aí temos o acidente e vamos para toda a síntese numa casa pequena a beira-mar com uma densidade bem escura de tons meio que pegando a ideia do sentimento das pessoas ali, vemos o protagonista trabalhando numa demolição também bem simbólica como se estivesse despedaçado, e já nas cenas do presente vemos uma peça sendo montada e quando a vemos finalizada é algo tão marcante e detalhado de forma representativa toda a trama, vemos a mesma casa do passado reformada agora com muito mais luz e aprendizado, vidros para ver tudo ao redor, e até mesmo o apartamento do protagonista é uma cobertura luxuosa que dá visão de tudo, meio como se não quisesse mais perder ninguém de vista nunca mais, ou seja, tudo muito direto nas camadas, mostrando um trabalho de arte perfeito.

Enfim, é um filme bem marcante, muito bem interpretado pelos protagonistas que consegue passar bem a mensagem do luto e do sentimento de reviver o passado, e que funciona para todos, não sendo dos que tem um ritmo tão bem elaborado, que talvez seja o maior defeito da produção, mas que quem for conferir e embarcar bem na ideia vai gostar bastante, então recomendo ele para quem for no Festival Filmelier. E é isso meus amigos, eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, pois ainda tenho muita coisa para conferir, então abraços e até logo mais.


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