Marinheiro das Montanhas

9/17/2023 01:16:00 PM |

Não tenho muito costume de conferir documentários, mas gosto do estilo de cinema que Karim Aïnouz trabalha é tão diferenciado que solicitei a entrada na cabine de imprensa de suas duas novas obras que serão lançadas em conjunto no dia 28/09 nos cinemas, e acabou sendo tão estranho e ao mesmo tempo satisfatório ver "Marinheiro das Montanhas", pois é basicamente a busca pelas origens argelinas do diretor, indo numa viagem tão diferente aos 54 anos para um país que nunca se interessou tanto, conhecer mais de onde veio seu pai que praticamente não teve muito contato, e com isso se embrenhar numa cultura diferente, com pessoas que inicialmente são tão diferentes que sempre lhe perguntam de onde ele é, mas quando corta o cabelo passa a parecer mais um deles, e quando se vê está no meio de vários Aïnouz, sejam vivos ou mortos enterrados no cemitério, que acaba nos envolvendo demais. E o mais engraçado de tudo é que acabei nem me cansando com a entrega de uma trama quase que 100% narrada pelo diretor, sobre algo ou alguém que nunca me interessaria normalmente, mas que de uma forma conduzida tão cheia de estilo acaba marcando bem, e isso é o que passa a funcionar na produção, valendo uma recomendação de conferida.

O longa é um diário de viagem filmado na primeira ida de Karim Aïnouz à Argélia, país em que seu pai nasceu. Entre registros da viagem, filmagens caseiras, fotografias de família, arquivos históricos e trechos de super-8, o longa opera uma costura fina entre a história de amor dos pais do diretor, a Guerra de Independência Argelina, memórias de infância e os contrastes entre Cabília (região montanhosa no norte da Argélia) e Fortaleza, cidade natal de Karim e de sua mãe, Iracema. Passado, presente e futuro se entrelaçam em uma singular travessia.

Diria que o diretor Karim Aïnouz foi tão preciso na forma de conduzir o seu diário de viagem, que mesmo que não pensasse em fazer disso um documentário futuro conseguiu transpassar tudo com nuances bem encaixadas, fotos, barulhos e principalmente pessoas para conversar, para observar e transparecer para o público os seus próprios sentimentos, de uma maneira ampla e bem marcada, aonde tudo faz muito sentido tanto para ele de conhecer seus antepassados e suas origens, que faz a trama ter sensibilidade e interação, algo que é muito raro em documentários desse estilo, e como ele mesmo diz em determinado momento que conversa com sua prima distante Inês, ao conhecer a lenda da origem da Cabília consegue ver mais sobre o mundo e sobre sua conexão como um todo, ou seja, o filme não passa a ser algo só seu, mas sim algo gostoso de acompanhar, de querermos saber tudo sobre um povo e até mesmo dele, e isso acaba fluindo tão bem que por vezes nem pensamos mais como um documentário autoral, mas sim uma ficção diferente bem ao estilo que o diretor costuma fazer, aonde um determinado homem argelino-brasileiro conta sobre o seu passado, e isso acaba sendo muito mais amplo do que tudo, funcionando demais.

Quanto da trama em si, diria que praticamente viajamos junto do diretor/personagem do longa, conhecendo uma Argélia mista, aonde muitos não tem trabalho, vemos ambientes felizes pela liberdade em si, mas também sem muita vida já que após a independência muitos não conseguem entrar em alguns países para tentar algo melhor, vemos cidades aonde praticamente o mundo parou com casas bem simples e rústicas, mas também vemos um monumento gigantesco e moderno aonde muitos vão para refletir e tirar fotos, mas o que mais chama atenção no longa são as cores calmas e bem propícias para sentir os pensamentos do protagonista, e mais do que isso, o viajar de navio aonde ele propriamente adere o fator tecnológico de um voo rápido para ir num fluxo mais fechado de como seu pai saiu do país para ir estudar na América e lá encontrou sua mãe. Claro que a trama trabalha com fotos, com filmagens antigas e muito material para colar as pontas de sua reflexão, mas a grande sacada de tudo foi juntar sem pesar e emocionar sem ser algo próprio do espectador, sendo mais amplo do que introspectivo, mesmo fazendo uma grande introspecção tradicional.

Enfim, é um longa que diria que até quem não tem o costume de ver documentários irá entrar bastante no clima proposto pelo diretor, e até diria algo a mais, que muitos talvez até sintam uma vontade interior de buscar suas origens após conferir a trama, bastando ter um norte talvez e um pouco de dinheiro, e quem sabe uma câmera para documentar tudo para posteridade, então fica a dica para o projeto, e claro para conferir o longa nos cinemas proximamente. E é isso pessoal, fico por aqui agora, mas volto logo mais com outras dicas, então abraços e até breve.


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