Diria que após 14 anos descansando desde "O Bem Amado", o diretor e roteirista Guel Arraes voltou com a corda toda entregando no mesmo ano dois ótimos filmes, sendo "Grande Sertão" bem imponente e o melhor nacional desse ano, e agora voltando lá pro seu xodó do começo do século, que foi realmente seu primeiro filme para cinema, e que todos o questionavam quando iria fazer uma continuação, mas que sempre falava que precisava maturar melhor a ideia para não entregar algo jogado sem grandes anseios, já que o original veio diretamente de um texto de Ariano Suassuna para teatro, enquanto agora precisariam criar algo novo sem a mente do grande escritor, mas buscando uma essência que não ficasse fora do que ele imaginaria, e com Flávia Lacerda que foi sua assistente lá em 2000 agora assumindo o longa junto dele conseguiram brilhar ao ponto de vermos algo ainda mais teatral que o original, aonde por pouco os protagonistas não quebraram a quarta parede para conversar com o público, que aí sim impactaria mais ainda. Ou seja, posso claramente falar que foram seguros para não ousar e virar algo espantoso, mas que também não ficaram presos ao passado, e com isso o resultado emociona pelo saudosismo e diverte pela formatação bem desenvolvida que acabaram entregando.
Quanto das atuações, o talento de Matheus Nachtergaele é daqueles que sobressai aonde quer que ele entre, sendo um papel pequeno ou o protagonista, e aqui nem parece que seu João Grilo foi feito há 14 anos, pois entregou com a mesma personalidade, as mesmas sacadas e trejeitos, e ainda mais carismático, tendo uma desenvoltura cênica que você praticamente quer ver e rever ele muitas vezes fazendo isso, ou seja, perfeito demais do começo ao fim. Quem me conhece sabe que reclamo muito do estilo de atuação de Selton Mello, mas se tem um personagem dele que amo ver é Chicó, e aqui embora não entregue a mesma desenvoltura incrível que fez lá nos anos 2000, ainda teve boas sacadas, trejeitos e o mesmo jeitão abobado e medroso que cativa o público, sendo poético e bem desenvolto, agradando e funcionando bem, claro que do seu jeito, mas sem errar ao menos, e convencendo o público com sua entrega. Diria que os novos personagens que estão disputando o cargo de prefeito foram bem colocados com Humberto Martins fazendo um fazendeiro rústico bem carregado com seu Coronel Ernani, e Eduardo Sterblitch como o dono da loja, da rádio e locutor Arlindo com sacadas bem colocadas e divertidas, aonde ambos deram algumas forçadas de barra, mas caíram muito bem no que precisavam fazer. Ainda tivemos Fabiula Nascimento com sua Clarabela cheia de traquejos chamativos e claro a volta de Virginia Cavendish com sua Rosinha agora mais rústica e fogosa como uma caminhoneira. Ainda sobrou espaço para um Luis Miranda todo sacana com seu Antônio do Amor, principalmente ao se fazer de bispo, e Taís Araújo até trabalhou sua Compadecida com boa desenvoltura, mas exagerou um pouco na teatralidade.
Visualmente a trama está muito bem feita, parecendo ser até uma cenografia meio que de longas de stop-motion (que aliás a técnica foi usada para desenvolver as histórias de Chicó), mas na própria cidade cheia de casinhas, com um sertão bem trabalhado, tudo bem destruído, abandonado e rústico quase como uma cidade fantasma, com elementos cênicos bem encaixados para desenvolver desde a loja de eletrodomésticos com crediário abusivo, uma rádio local bem trabalhada com tudo muito colorido, uma festa da padroeira totalmente politizada com comício duplo e uma igrejinha bem singela, mas abandonada e destruída, toda a sacada da alimentação de sopa de osso, e muito mais deram nuances para que o filme tivesse um olhar envolvente e bem representativo, fora a ideia do inferno mais árido ainda que o sertão, e claro o diabo e deus representado a semelhança do indivíduo.
O longa também contou com ótimas escolhas musicais, contando com Maria Bethânia com sua "Fiadeira", João Gomes com uma nova versão de "Canção da América" no estilo do piseiro, entre muitos outros para dar uma movimentação mais interessante para a trama, e que pasmem, sendo um longa nacional temos o link com todas as canções para curtirem, então aproveitem!
Enfim, é um filme que representou bem o original, trouxe alguma novidade que funcionasse sem estragar o saudosismo e trabalhou com uma pegada funcional, divertida e gostosa de conferir, aonde o público riu bastante e se envolveu com o que foi entregue, só diria que os cinemas erraram em um único detalhe: o excesso de sessões, pois tem o longa praticamente a cada 20 minutos em todos os cinemas, e assim as salas não vão lotar para ser ainda mais envolvente ver tudo abarrotado, mas que vale a conferida e mesmo não superando o original agrada bastante, então Suassuna pode ficar deitadinho no caixão que não vai precisar se revirar. E é isso meus amigos, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais dicas, então abraços e até logo mais.
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