Todos Nós Desconhecidos (All Of Us Strangers)

3/09/2024 02:28:00 AM |

Algumas vezes vejo filmes com roteiros bem ruins, mas quando assisto algum excelente chega a dar muito gosto, e algo que costumo dizer ser um roteiro que chega a brilhar na ideia é quando você fica tentando entender a ideia, sem perder todo o ritmo do filme, para próximo ao final ter uma bela quebra aonde o público vai ver se estava certo ou não com todas as ideias que foi pegando, mas friso que tem de ser algo que dê a entender também a opinião do diretor e/ou roteirista, pois jogar algo abstrato e deixar aberto ao meu ver é o crime máximo de um roteiro, que perde até para roteiros ruins. Dito isso, o longa "Todos Nós Desconhecidos" é um dos roteiros mais difíceis que já vi nos últimos anos, pois de cara pegamos que os pais estão mortos, isso não é um spoiler, ele mesmo fala, e se não me engano no trailer também já é dito, até aí ok, logo em seguida descobrimos que o protagonista é um roteirista que está tentando escrever uma história sobre sua família, então vemos todo o sentimento dele se encontrando no presente com seus pais mortos, apresentando como virou uma grande pessoa, sua sexualidade, seus traumas e tudo mais floreia e brinca tanto com a ideia de se ele está concebendo o filme, se ele vê fantasmas mesmo, se está maluco na solidão silenciosa de um prédio recém inaugurado aonde só mora ele e o rapaz do sexto andar, e por aí vai, numa ode cheia de dúvidas, de sacadas, mas principalmente de expressões, pois meus amigos, Andrew Scott mostra que devorou esse roteiro, preparou algo em seu mais profundo âmago e devolveu ele em palavras e sentimentos na tela, ou seja, se você já viu qualquer atuação dele em outros filmes jamais irá lembrar dele lá, pois ele é o Adam aqui e não existe outro ator que faria isso. Ou seja, um filmaço que só não darei uma nota máxima pelo simples motivo de embora lindo visualmente (que iluminação dessa cena!), desejar um outro final, mas tirando esse detalhe é perfeito.

A trama segue o roteirista Adam que, uma noite em seu prédio quase vazio em Londres, tem um encontro casual com seu misterioso vizinho Harry, o que acaba abalando o ritmo de sua vida cotidiana. À medida que Adam e Harry se aproximam, o roteirista é levado de volta à casa de sua infância, onde descobre que seus pais falecidos estão vivos e parecem ter a mesma idade do dia em que morreram, há mais de trinta anos.

Diria que o diretor e roteirista Andrew Haigh conseguiu pegar a obra do escritor japonês Taichi Yamada e dar nuances tão amplas, tão sentimentais e ao mesmo tempo fechadas, que vemos desde a cura da criança interior mal interpretada pela família, vemos os reflexos da solidão, e vemos tantas coisas que confesso que talvez uma segunda assistida mudaria totalmente minha opinião, e isso é algo que costumo dizer que não gosto, pois uma segunda opinião da minha própria pessoa talvez não goste tanto como gostei agora, então dessa forma vamos manter essa ideia, mas garanto que cada pessoa que assistir ao filme irá sair com uma ideia diferente, pois o diretor mesmo colocando a sua opinião na tela, deixa a sensação aberta para que muitos enxerguem emoções diferentes, tanto que alguns vão apenas se surpreender com a ideia passada, enquanto outros irão lavar a sala do cinema, e aí prova que o acerto da ideia foi cravado. Ou seja, é daquelas direções simples de ver, mas que o roteiro se permite ir para tantos os lados que acaba sendo dificílimo de pegar todas as nuances que ele entrega.

Quanto das atuações, confesso que não lembro de Andrew Scott em nenhum dos muitos filmes que já fez, e como falei no primeiro parágrafo acredito que seja por ele ter pego uma personalidade tão marcante para seu Adam que não vemos o ator em momento algum, mas sim um homem chamado Adam que conhecemos nesse filme, e amanhã não veremos mais ele, pois irá ser transmutado em outro personagem que o ator fizer, e isso mostra uma grandeza tão perfeita, que chega a ser triste não ver ele levando todos os prêmios possíveis desse ano, pois foi digno de sentir o que passa na tela, e isso são bem poucos os atores que conseguem esse feito. Não por menos, um ator de múltiplas facetas é Paul Mescal, que aqui trabalhou seu Harry com um estilo mais solto do que o que costuma fazer, mas é misterioso, tem trejeitos abertos para fluir, e conseguiu passar emoção demais em quase todos os seus atos, sendo perfeito também em tudo. Agora tenho certeza que fui roubado, pois é impossível Jamie Bell ser o pai do protagonista, pois deixaram ele mais velho, com trejeitos tão diferentes que jamais reconheceria o ator, e ele aqui soube ser daqueles pais que sentem a necessidade do filho falar, que passa a mensagem no olhar e que funciona por completo. E da mesma forma, a sempre ampla de olhares Claire Foy soube brincar com o roteiro, fazer trejeitos clássicos que uma mãe faria ao saber da opção do filho, e cheia das dúvidas de sua época conseguiu brincar com as falas sem soar preconceituosa na tela, o que deu um charme e acabou agradando bastante também.

Visualmente o longa tem uma pegada bem clássica e intimista, com um apartamento sem muito luxo, mas também não tão simples, cheio de detalhes tradicionais, muitas fotos espalhadas para dar as devidas nuances dos momentos que o jovem revive, claro na casa aonde viveu com os pais no passado, e a jogada cênica de mostrar tudo lindo lá dentro acontecendo, e em determinado momento o lado de fora abandonado, sem ser aquilo que vemos por dentro foi bem montado demais, ainda tivemos tons de iluminação que sugerem tudo e nada ao mesmo tempo, com luzes, focadas dando formatos e ambientes, e claro o ato final no outro apartamento, o qual não vou dar muitos detalhes para não estragar o filme de ninguém, mas com uma perfeição marcante e chamativa.

Outro ponto muito bem colocado foi o da escolha musical da trama, com clássicos dos anos 80, mas com cada ato bem pegado para dar conteúdo ao filme e não apenas por estar ali, então vale com certeza um play depois na playlist para se envolver com tudo.

Enfim, é um filme que sinceramente não estava esperando ser tão bom, aliás pelo trailer não sabia nem o que realmente esperar dele, tanto que conversando com uma amiga antes da sessão expliquei ele como sendo algo tão subjetivo que não devo ter empolgado ela de ver, mas amanhã lhe indicarei com toda certeza, então fica a dica para todos, já adiantando para quem ainda não viu nada que é um longa com uma pegada homossexual, mas nada clichê e nem sendo algo que vai lhe espantar, então vá conferir e pense bem em tudo o que é mostrado na tela, e fora dela. E é isso meus amigos, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais textos.


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