Amazon Prime Video - Triângulo da Tristeza (Triangle of Sadness)

3/07/2023 12:36:00 AM |

Durante os momentos mais insanos do longa "Triângulo da Tristeza", que após uma rápida passagem pelos cinemas nacionais estreou agora na Amazon Prime Video, vemos o capitão do navio e um ricaço russo discutindo grandes frases de nomes famosos, mas uma que não foi citada e que tem todo o valor nos atos finais do longa é o dizer que cada um faz bom uso das ferramentas que tem, e a melhor ferramenta é a esperteza, pois se você souber utilizá-la da melhor forma pode não ter nenhuma ferramenta que será líder. E usando dessa base, a grande sacada do filme é você ir se conectando aos personagens, ver a forma que cada um usa bem o outro para suas necessidades, e com bons elos para tudo, o diretor acaba sendo sagaz em não precisar dar explicações, de modo que tudo se conecte bem e desenvolva agradando com boas sacada. Ou seja, muitos vão achar que os 147 minutos da trama são bem longos, mas eu diria que foram tão bem usados, que mesmo os momentos mais lentos acabam sendo bem trabalhados, e o resultado final é incrível com toda a complexidade do tema.

A história começa acompanhando os jovens modelos Carl e Yaya, que estão navegando pelo mundo fashionista enquanto tentam se tornar influencers. Eles ganham passagens para viajar num cruzeiro de luxo, sendo os únicos passageiros classe média num grupo de milionários, liderado por um alcóolatra capitão comunista do barco. Porém, uma noite de tormenta e ataques de piratas fazem o navio naufragar, deixando os sobreviventes presos numa ilha deserta. A hierarquia dentre o grupo muda completamente quando dentre esse bando de ricaços, a única pessoa que sabe como sobreviver nesse local inóspito é a faxineira filipina - capaz de pescar e fazer uma fogueira. Logo, essa sarcástica comédia passa a discutir tal nova dinâmica que inverte os poderes entre os sobreviventes e passa a questionar os papéis de gênero.

Diria que o diretor e roteirista Ruben Östlund conseguiu mais uma vez entregar uma obra com um primor tão grandioso que não tem como não se divertir com tudo o que está na tela, tanto que o longa foi o grande ganhador de Cannes levando a Palma de Ouro e está indicado à três estatuetas do Oscar (Filme, Roteiro Original e Direção), que não diria que conseguirá levar elas por ser um ano meio já de cartaz marcadas, mas posso dizer que facilmente mereceria, já que é seu melhor trabalho até hoje e o filme consegue ao mesmo tempo ser crítico e comercial, envolvendo com sacadas certeiras, com elementos bem trabalhados, e que mesmo sendo capitular (sem necessidade total) dá as devidas nuances do começo ao fim se impondo completamente ao que ele gostaria de ver acontecendo, e assim seu filme tem estilo e desenvoltura.

Outro ponto bem engraçado é que mesmo tendo um elenco com grandes atores, o filme independe de suas grandiosas atuações, pois a dinâmica toda está nos ótimos diálogos e tramas dentro do roteiro, e com isso souberam escolher bem quem apenas tivesse um chamariz visual a mais. Dito isso o foco é claro em Harris Dickinson que deu ao seu personagem Carl um perfil meio que disposto a ser dependente das benesses que consegue com sua namorada, mas sendo bonito também faz uso disso para conquistar algo a mais, e o ator soube ser exatamente como alguns modelos, com olhares secos e dinâmicas mais fechadas, agradando por não exagerar em nada. Da mesma forma Charlbi Dean consegue brincar com o estilo de algumas influencers da vida, fazendo com que sua Yaya fosse fútil e ao mesmo tempo direta nos atos que participou, ou seja, foi muito bem em tudo, e seu final foi perfeito dentro da proposta toda. Não conhecia a atriz Vicki Berlin, mas diria que ela deu tanta desenvoltura para sua Paula, meio como uma gerente de tudo ali, que consegue nos levar aos mais diferentes absurdos sem nem mover os olhos, e isso aliado a trejeitos e casuais modos de uma boa atendente, ou seja, fez muito bem o seu papel. Nos dois primeiros atos praticamente nem vemos a filipina Dolly de Leon, mas sua sagacidade como Abigail nos últimos atos é tão bem encaixado, cheio de trejeitos bem diretos de uma pessoa com uma expertise máxima que nos conecta e fecha brilhantemente toda a história, sendo daquelas personagens que entram exatamente aonde devem e dão show. Ainda tivemos outros bons atos com vários personagens até que importantes para a trama, mas que dão as conexões apenas para que os demais atos funcionem, valendo destacar Zlatko Buric com seu Dimitry completamente maluco e riquíssimo como ente de dinheiro que os demais usam, Henrik Dorsin com seu Jarmo meio que jogado, mas que faz trejeitos meio deprimentes bem encaixados, e claro o capitão super bêbado e maluco vivido por Woody Harrelson que deu um bom tom para o meio do filme.

Visualmente temos três atos bem distintos, com o primeiro mostrando o mundo fútil da moda, com caras e bocas, mostrando desfiles com os devidos assentos sendo dados para pessoas mais importantes tirando os que chegaram antes da frente para os que merecem algo, vemos toda uma briga por num restaurante chique e na sequência no hotel riquíssimo por quem deve pagar a conta, e o melhor mostrando bem esse mundo de influências aonde nem usam bem tudo o que devem usar, e aí chegamos ao cruzeiro luxuosíssimo mostrando jantares com pessoas artificiais, com comidas enfeitadas e sem grandes gostos, todo o mundo das conversas de ricos e esbanjando tudo e mais um pouco, e claro a grande festa dos vômitos com o balançar insano do navio, para aí chegarmos numa ilha e vermos todo o processo da sobrevivência com pouca comida, quem sabe fazer fogueira e pescar, caçar e afins, além claro das grandes trocas de favores, ou seja, a equipe esbanjou grana para os elos luxuosos, mas soube aproveitar cada mínimo detalhe para que tudo fosse perfeito em cena.

Enfim, recomendo que seja visto de estômago vazio, principalmente o miolo do longa, que a cena em alto mar é para qualquer um desejar fugir de cruzeiros (que é algo que ainda desejo fazer, mas fiquei meio mal com tudo o que vi aqui!), e que entrega algo tão genial de conexões que só não irei dar nota máxima para o filme por o começo ser meio cansativo demais, mas valeria fácil um 9,5 para ele, então vale demais a recomendação. E é isso meus amigos, eu fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.


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