A Melhor Mãe do Mundo

8/08/2025 12:43:00 AM |

Costumo dizer que já conheço bem o estilo de alguns diretores, pois tirando os malucos que atacam cada vez em um gênero, ou então que se reinventam a cada novo longa, os que já fizeram sucesso alguma vez procuram manter a pegada, e uma diretora que sabe segurar o espectador, mesmo ele sabendo exatamente o que vai acontecer cena após cena, é Anna Muylaert, e já friso que isso não é algo ruim, muito pelo contrário, acaba sendo divertido esperar os momentos-chaves de seus filmes, e com seu novo longa, "A Melhor Mãe do Mundo", ela foi muito segura de passar na tela situações que vemos aos montes em nosso país, ou melhor, no mundo, de mulheres que sofrem abusos de seus maridos, e que por vezes optam por voltar para o lado deles por achar que precisam de algo que eles têm para oferecer a elas, e não só isso, como outros temas difíceis de se pensar e refletir são pontuados na dinâmica completa, sendo arrepiante ver alguns atos e não sentir todo o drama proposto ali. Ou seja, é daqueles filmes que você praticamente vive com a protagonista, e sente seus dramas, fica triste por algumas decisões, se emociona com outras, e que se errassem a mão na escolha acabaria com o longa, mas aqui Shirley Cruz foi brilhante para não falar outras palavras!

O longa acompanha uma catadora de recicláveis chamada Gal que decide fugir dos abusos do marido Leandro após tentar denunciá-lo e ser ignorada pela polícia. Focada em proteger seus filhos, a mulher abandona a casa, coloca suas duas crianças pequenas, Rihanna e Benin, na carroça e as leva numa jornada pela cidade de São Paulo. Tentando garantir a inocência dos filhos, Gal os faz acreditar que estão vivendo uma grande aventura, mesmo diante de inúmeros sacrifícios e perigos da rua.

Já disse acima que a diretora e roteirista Anna Muylaert ("Que Horas Ela Volta", "Durval Discos", "É Proibido Fumar") é daquelas que sabemos o que vamos encontrar, mas de forma alguma vemos um filme seu igual ao outro, pois sempre buscando temas complexos e dinâmicas fortes, aqui ela soube desenvolver temas sociais de grande impacto, aonde diria que dificilmente outros diretores saberiam se arriscar a por a mão na ferida, pois mesmo sendo algo que engloba diversas classes sociais, a violência doméstica é muito sentida pela camada inferior, tanto que a conversa da protagonista com a prima falando que isso é normal de mulher apanhar do marido chega a ser chocante, mas não é, pois sabemos que muitas mulheres acabam aceitando isso como um "normal", e acabam sofrendo mais no futuro, e brilhantemente tivemos dinâmicas interessantes na tela para pontuar vários outros "normais" no país, que marcaram as tensões e chamarizes, sabendo que a diretora brincaria com tudo, sem jogar algo apenas para o famoso justificar os fins. Ou seja, é um filme amplo de ideias e ideais, aonde vale ver o que Anna quis trabalhar, mas sem forçar a barra ou entregar algo que ficasse apenas "assistível".

Quanto das atuações vou ser bem direto, pois Shirley Cruz, literalmente carrega o filme com sua Gal, trabalhando não apenas seus diálogos, mas todo um corporal, gestos, trejeitos, tonalidades na voz, e tudo mais que se ela não levar muitas premiações durante os festivais do Brasil como melhor atriz nesse ano, podem desistir de tudo, pois não foi perfeita, foi muito mais do que isso, de tal maneira que muitas mulheres irão se enxergar nela, e a atriz soube colocar o peso nessa atuação. Ainda tivemos as cenas no final com Seu Jorge fazendo bem seu Leandro chamativo e interessante para a proposta, trabalhando alguns trejeitos bem encaixados, mas sem um tempo gigante para fluir. E claro vale destacar a boa entrega das crianças Rihanna Barbosa e Benin Ayo, que não deixaram o roteiro travar elas fluindo naturalmente e cheias de desenvoltura. Quanto aos demais, como falei acima foi bem forte o diálogo da protagonista com Luedji Luna, sua prima Valdete, tivemos uma entrega bem sacana de Rubens Santos com seu Anivaldo, mas sem dúvida as maiores entregas entre os secundários ficaram para Rejane Faria com sua Munda bem trabalhada, e os atos opostos de Lourenço Mutarelli com seu Reginaldo.

Um fator interessante do longa é que temos quase que um road-movie pela cidade de São Paulo, com a protagonista carregando sua carroça de recicláveis no peito por subidas, descidas e tudo mais, mostrando um pouco desse universo, vemos o lado fantasioso que a mãe passa para os filhos da aventura em si, com eles dormindo abrigados na lona enquanto a mãe fica do lado de fora na vigília, vemos assaltos, roubos, coletivos de reciclagem, até chegar na casa da prima em Itaquera, tendo no meio do caminho paradas em praças, pontos de alimentação para os carroceiros com voluntários, fontes para banhos clandestinos e tudo mais, além de mostrarem um pouco de uma ocupação na tela também, algo corajoso por parte da diretora. Ou seja, a equipe de arte foi bem direta nos ambientes, e certamente preparou uma carroça mais leve para que a protagonista não morresse no meio do caminho das filmagens.

Enfim, é um filme potente, com boas nuances e intensidades, mas que não precisou ficar luxuoso e chamativo, sendo simples de entrega e totalmente dependente de boas atuações para que o roteiro funcionasse, e felizmente funcionou demais, então vale a dica de conferida nos cinemas, e veremos até o final do ano qual será a escolha para representar o Brasil nas principais premiações do cinema, afinal esse ano tá promissor pro cinema nacional. E é isso meus amigos, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais dicas, então abraços e até logo mais.


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