Netflix - Identidade (Passing)

11/11/2021 12:16:00 AM |

Uma coisa que conversei algumas vezes com alguns amigos é o racismo dentro de um próprio grupo, e se isso hoje é algo que choque tanto, um século atrás então certamente deveria ser uma situação bem intensa de ver, e claro que muitas mulheres negras de pele clara na época pintavam seus cabelos, se maquiavam bem e fingiam ser brancas para namorarem brancos, viver como brancos e tudo mais, mas claro que algumas ainda gostavam das festas dos negros, da vida social e tudo mais que eram mais alegres. E com essa base de discussão a atriz Rebecca Hall que tanto conhecemos atuando resolveu mudar de lado e adaptar um livro e ainda dirigir pela primeira vez, estreando muito bem com a trama da Netflix, "Identidade", que brinca com as inseguranças da época, todo o envolvimento de "cores", e claro também as inseguranças de mulheres em relação a beleza e tudo mais, num floreio interessante e que lembra bem as tramas clássicas, inclusive ao optar em filmar em preto e branco e na proporção 1:33:1 (o famoso quadrado), o resultado acaba sendo ainda mais clássico, e assim quem gosta de um bom drama vai acabar entrando no clima e se surpreendendo com a finalização.

O longa conta a história de duas mulheres negras, Irene Redfield e Clare Kendry, que podem "passar" por brancas, mas optam por viver em lados opostos da linha de cores durante o auge da Renascença do Harlem no final dos anos 1920 em Nova York. Depois de um encontro casual que reúne as ex-amigas de infância em uma tarde de verão, Irene relutantemente permite que Clare entre em sua casa, onde ela se insinua para o marido de Irene e sua família, e logo seu círculo social maior também. À medida que suas vidas se tornam mais profundamente entrelaçadas, Irene descobre que sua existência outrora estável foi derrubada por Clare, e o longa torna-se um exame fascinante de obsessão, repressão e as mentiras que as pessoas contam a si mesmas e aos outros para proteger suas realidades cuidadosamente construídas.

Confesso que não esperava uma boa primeira direção de Rebecca Hall, pois sempre foi uma atriz com tantos altos e baixos que não dava para imaginar que se sairia tão bem na direção de um longa, mas aqui além de dirigir também adaptou o roteiro em cima do livro de Nella Larsen e foi tão precisa no desenvolvimento, conseguindo criar as diversas situações, passando classe e estilo para cada momento, e principalmente sabendo como orientar/dirigir suas atrizes ao ponto de conseguirmos extrair seus sentimentos fronte a tudo o que está rolando em cena, e assim o resultado vai muito além de uma trama com um tema marcante, mas sim uma dramatização de conflitos pessoais, de estabilidades, e isso tudo ainda pontuando o ar de racismo da época, ou seja, um filme amplo, muito bem dirigido e que funciona, sendo a única coisa que pontuaria negativamente é a escolha do preto e branco e formatação quadrada, pois sabemos que não foi filmado com rolos fotográficos e essa estética é apenas um enfeite para dar o ar de época, mas uma granulação traria algo muito mais bonito do que apenas jogar na tela em preto e branco quadrado.

Sobre as atuações, Tessa Thompson já vem mostrando faz um bom tempo que tem um estilo dramático bem marcado e sabe dominar suas personagens com muito anseio para chamar atenção, e aqui sua Irene tem estilo, tem charme, tem segurança nos trejeitos e consegue passar tanto envolvimento que chega a ofuscar quase tudo e todos ao seu redor, marcando presença demais e agradando com classe, pois deu todas as nuances e medos que a personagem precisava sem forçar, o que é um grande acerto. Da mesma forma Ruth Negga trabalhou as desenvolturas de sua Clare com uma imposição tão forte, tão cheia de si, sendo daquelas que você acaba ao mesmo tempo que sente pena sente também um ar revoltado pelo que faz, e assim sua personagem tem bons trejeitos e se encaixa muito bem em cena, não ficando jogada, e não sendo secundária em nenhum ato, o que é muito bacana de ver quando as duas estão em cena. André Holland soube ser bem direto e aparecer na medida certa com as nuances que seu Brian precisava, ao ponto que o personagem tem um elo mais importante na relação das protagonistas do que na desenvoltura de seus diálogos, e assim sendo fez algumas caras e bocas, mas foi mais marcante em estar presente nas cenas. Ainda tivemos Bill Camp fazendo um escritor branco e rico que gosta de estar no meio dos negros para escrever seus livros e ver as nuances sociais, que o ator foi bem direto nos diálogos chamando atenção e Alexander Skarsgård fazendo o marido de Clare com um racismo de nível máximo forte e direto nas palavras, e claro nas atitudes também da cena final, mas ambos apenas tiveram algumas grandes cenas, nem sendo tão chamativos assim.

Visualmente a trama teve uma boa pegada representativa dos anos 1920, mas sem ir muito além na cenografia, trabalhando uma casa de vários andares clássica, todo o figurino marcante da época com chapéus e rendas nas roupas, ternos para os bailes, aliás algumas festas bem agitadas com muito trompete rolando de fundo, claro com a banda detonando, apenas um ato dentro de um carro clássico, mas foram bem espertos em usar o preto e branco para não ter realces de detalhes falhos de época, pois jogaram uma boa luz para dar contraste na fotografia, e assim o ambiente mesmo não foi muito explorado, porém ainda assim o resultado geral foi bem bacana de ver.

Enfim, é um filme bem interessante tanto de proposta quanto de execução, que confesso ter sido surpreendido com o resultado final, porém facilmente colocaria ele colorido com uma granulação de imagem já que desejavam dar um ar de época nas filmagens, que o resultado chamaria ainda mais atenção sem precisar ser preto e branco, mas não atrapalhou em nada, e assim vale a recomendação para quem gosta de dramas mais teatralizados. E é isso meus amigos, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais textos, então abraços e até logo mais.


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