Não Vamos Pagar Nada

10/06/2020 06:33:00 PM |

Certa vez conversava com um amigo que alguns textos são universais e acabam funcionando tão bem em determinadas datas que acabamos nem acreditando que não tenha sido escrito para a época que o filme é lançado, de modo que baseado em uma peça teatral do italiano Dario Fo de 1974, já interpretada em diversos palcos do mundo todo, eis que saiu agora a comédia nacional, "Não Vamos Pagar Nada", que tem um estilo de humor não tão engraçado (daqueles de rir de se acabar!), mas que retrata tão bem o nosso momento de aumento de preços nos mercados, desemprego indo ao máximo e claro o jeitinho que acabamos dando para não passar fome. Ou seja, muito mais do que uma simples comédia, a trama acaba indo para o lado social com um cunho tão bem formatado, que os humoristas conseguiram passar através de boas sacadas o resultado completo em um texto ágil e que funciona, e sendo assim, quem for conferir nos cinemas ou nas plataformas de streaming no lançamento certamente irá enxergar muito mais do que piadas jogadas, pois o filme ao menos é inteligente nesse ponto.

A sinopse nos conta que a vida não está fácil pra ninguém e a grana é cada dia mais curta para Antônia, que está desempregada. Indignada com os preços dos produtos no único mercado do bairro, a dona de casa arma um escândalo e acaba se metendo numa enorme enrascada. Agora, ela vai precisar de muito jogo de cintura para ficar de boa com o marido e com os policiais.

Talvez a grande sacada do longa tenha sido pegar um diretor estreante de longas para que a história não ficasse tão caricata, pois João Fonseca sempre trabalhou muito com peças de teatro, e tem em seu currículo um programa 100% teatral ("Vai Que Cola"), e aqui por ser uma peça adaptada, ele pode desenvolver bem cada personagem sem precisar de grandiosas apresentações. Ou seja, volto a frisar que não é daqueles filmes que você irá rir aos montes, de modo que até tem cenas cômicas, possui muitos absurdos bizarros que acabam fazendo algumas pessoas rir, mas a ideia completa é algo que funciona mais como uma crítica social bem feita (que talvez até nem tenha sido tanto a proposta original, afinal a adaptação foi escrita bem antes de estarmos nessa afundamento de barco atual do país), e que mesmo não fazendo rir, funcionou bem, mostrou que o diretor sabe bem segurar o estilo, e que quem gostar do estilão que era seus programas, irá gostar também do filme.

Sobre as atuações, a trama basicamente fica nas mãos, ou melhor nos trejeitos, de Samantha Schmütz com sua Antônia, que teve um gingado perfeito para enganar tanto o marido certinho, quanto os policiais que vão investigar o roubo do mercado, e a atriz com seu jeitão exagerado, cheio de jogadas para todos os lados acaba chamando bastante atenção, e claro dominando seus momentos dando boas aberturas para que os seus parceiros de cena fossem lhe seguindo no mesmo rumo, ou seja, age quase como um meio de campo orquestrando todas as jogadas para que o filme funcione, e dá certo. Flávia Reis entrega uma Margarida sofrida, e que vira quase uma boneca gigante nas mãos da protagonista, ajudando ela a esconder os problemas e só aumentando tudo com o rolo todo, ao ponto que a atriz foi bem no papel, mas não se desenvolveu muito. Conhecemos Edmilson Filho como aqueles atores mais exagerados, que não tem tantas papas nas línguas, e que tem astúcia no que faz, de modo que aqui como um marido certinho da protagonista, e fazendo algo mais sério e centrado de atitudes não chamou tanta atenção com seu João, ou seja, o ator até tem bons momentos, principalmente quando entra no caos de esconder coisas também, mas seu início foi meio preso demais. Flávio Caruso tem um estilo muito marcado, e isso é próprio dele, de modo que seu policial civil acaba soando falso e exagerado demais, claro que funciona para a comédia pelos olhares fortes e pelas dinâmicas bobas que acaba acontecendo, mas soou um pouco apelativo. Flávio Bauraqui foi uma surpresa na trama como um policial militar que tem um estilo mais calmo, mas que faz boas cenas, e o ator que é costumeiramente visto em grandes dramas acabou sendo interessante pelo texto social em si que deveria acontecer por parte de alguns policiais verdadeiros, mas o ator não precisou muito e fez bem. Quanto os demais, diria que foi praticamente participações, com Leandro Soares fazendo um Luis (marido de Margarida) simples demais, Paulinho Serra como um gerente de mercado e o músico Criolo como um etiquetador do mercado, ou seja, apenas como complementos cênicos realmente.

Visualmente o longa também é bem simples, tendo duas cenas em um mercado, algumas cenas na rua, uma cena em um posto de saúde improvisado, e praticamente todas as demais dentro do apartamento da protagonista, usando claro como elementos cênicos as compras escondidas como se fossem barrigas de grávidas, e usando a sagacidade dos atores para brincar com tudo ao redor, não tendo nada que fosse chamativo de figurinos ou algo além, sendo bem próximo do que seria exibido em uma peça.

Enfim, é um filme que classificado como comédia talvez desaponte muitos que forem esperando rir horrores, mas que parando para analisar todo o contexto social da trama, o estilo de tudo, e principalmente as boas sacadas do elenco para fazer com que o filme funcione, o resultado final acaba sendo até bacana de conferir. Ou seja, está longe de ser uma bomba total (se não analisado como comédia, pois se for, aí o desapontamento é bem grande), mas que também não é nada surpreendente, mas que vale como um passatempo bem político e interessante de analisar. Bem é isso pessoal, fica a dica então para quem for locar no streaming ou ir conferir nos cinemas, abraços e até logo mais.


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