Pedágio

12/03/2023 11:34:00 PM |

Costumo dizer que o cinema nacional sabe brincar com seus próprios problemas de uma forma tão bem colocada que rimos de situações que nos causariam medo naturalmente, nos emocionamos com a simplicidade e até sentimos nojo de coisas que tentam impor nas pessoas, como se houvesse cura gay, e religiosos santos entre muitos outros detalhes. E usando desse permeio o longa "Pedágio" consegue brilhar com uma locação estranha como é Cubatão, com ares meio que de abandono e principalmente mexendo com grupos que usam da fé de alguns para se enriquecer, e claro os espertos que usam de meios mais sacanas para pegar sua parcela desse enriquecimento também. O longa fala abertamente de dicas de roubos, de cura gay nas igrejas, e principalmente do relacionamento difícil entre uma mãe que não aceita o filho do jeito que é, sempre buscando meios de mudar isso nem que seja através do crime, de tal maneira que o filme tem um fluxo pesado de ideia, mas que trabalhado de uma forma até que engraçada de ver, acaba fluindo bastante com a sacada completa. Claro que talvez pudesse ser mais dinâmico para ter uma pegada melhor, mas é bem trabalhado e funciona como algo tão diferente de colocação que mostra que de algo simples pode sair algo brilhante para discussões.

A sinopse é bem simples e nos conta que Suellen, cobradora de pedágio, percebe que pode usar seu trabalho para fazer uma renda extra ilegalmente. Mas tudo por uma causa nobre: financiar a ida de seu filho à caríssima cura gay ministrada por um famoso pastor estrangeiro.

Diria que a diretora e roteirista Caroline Markowicz mostrou seu estilo de uma forma bem crua na tela com as escolhas entregues, pois ela cria um ambiente instável bem marcante, colocando em cheque o homossexualismo como uma doença enxergada pela mãe e pela amiga religiosa, mas ao mesmo tempo a mãe não vê problemas em cometer um crime para pagar um pastor fajuto, e mais do que isso ela satiriza com todas as letras a forma que muitas igrejas entregam possíveis curas para o homossexualismo, ou seja, de uma forma irônica, mas muito bem colocada, ela consegue incorporar situações tensas com uma pegada cômica bem trabalhada, que muitos vão rir e outros ficarão indignados, mas uma coisa é certa, ela aponta o dedo na ferida e entrega muita personalidade, pois poucos tem essa coragem de mexer com temas pesados sem dramatizar tanto. O único aquém é que ela praticamente quis enfatizar muito, e com isso seu filme ficou um pouco sem ritmo, mas não chega a ser algo que incomode, e assim o resultado funciona bem na tela.

Quanto das atuações, Maeve Jinkings trouxe também muita personalidade para os trejeitos e intenções fortes de sua Suellen, de tal forma que se olhássemos a fundo veríamos tradicionalmente uma cobradora de pedágio normal, sem estereótipos, mas com dinâmicas e personificações tão bem colocadas que mostram o quanto a atriz trabalhou para capturar muito da forma de agir das moças dos pedágios, e mais do que isso, também deu nuances bem colocadas como uma mãe que não aceita o filho como ele é, e tem um final perfeito com a reviravolta escolhida pela diretora, ou seja, soube ir muito bem no papel. Outro que incorporou com muita desenvoltura o seu primeiro papel em longas foi Kauan Alvarenga com seu Tiquinho, trabalhando dança e trejeitos marcantes nas cenas de performance, mas também sendo apenas um jovem que quer ser reconhecido como é por dentro, com suas paixões e claro ganhar seu dinheiro de forma honesta, de modo que o jovem conseguiu trabalhar bem todos seus momentos e agradar bastante. Ainda tivemos Thomas Aquino em alguns momentos intensos com seu Arauto e Aline Marta Maia como Telma uma religiosa que faz muitas coisas fora do casamento e acha normal, sendo bem a cara do tradicional cidadão de bem, mas sem dúvida quem entrega um personagem caricato demais e que não tem como não rir é Isac Graça com seu Pastor Isac com um português arrastado falando as coisas mais absurdas possíveis num culto para jovens, ou seja, bizarro demais no papel.

Visualmente confesso que sempre passei por fora de Cubatão indo visitar algumas praias, e só via as fábricas com suas chaminés gigantes pegando fogo e soltando fumaça, tanto que nem imaginava como seria a cidade, e só nesse ano fiz uma pesquisa com a dúvida se tinha praia na cidade, já que beira o mar (a resposta é que não tem!) e a diretora soube dar nuances de um lugar bem simples, com uma casa de família periférica, uma igreja que nem chega a parecer realmente uma igreja, tendo apenas uma sala aonde acontece o culto, um bar aonde a protagonista vai com o namorado, uma lanchonete aonde o jovem trabalha, um teleférico aparentemente abandonado aonde vão para fumar narguilé, e claro os vídeos do garoto vendendo seus produtos, todo produzido com luzes, e a cabine de pedágio aonde a protagonista trabalha, além de uma rua isolada da rodovia aonde rolam os assaltos, ou seja, tudo bem marcado em detalhes para funcionar bem na representação que a diretora desejava.

Enfim, é um filme interessante, simples, com uma ideia forte, mas que não chega a ser pesado, pelo contrário, sendo até cômico de certa forma, que claro muitos acabarão olhando torto pelo estilo mais cru da diretora, mas que vale a reflexão e a discussão de tudo o que é mostrado na tela, então fica a dica para conferirem nos cinemas, e claro ampliar bem toda essa ideia de cura para algo que nem doença é, e claro dos valores morais que muitos acabam se metendo aonde não devem para algo que nem é tão necessário assim. E é isso pessoal, eu fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais dicas, então abraços e até logo mais.


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