Seca (Siccità) (Dry)

11/11/2022 12:12:00 AM |

É até engraçado que já vi diversos filmes com personagens e histórias entrelaçadas, mas geralmente que recaem sobre datas comemorativas, mas que em sua maioria são comédias ou romances, e hoje eis que o Festival de Cinema Italiano me entregou um drama com uma temática bem tensa que entrega envolvimentos bem marcados em cima de algo que possivelmente viveremos algum dia com a forma maluca que anda o clima e o consumo humano, e contando com boas atuações e interações, acabamos nos envolvendo com tudo, sentindo o drama de cada personagem, e até mesmo tentando entender suas ânsias e estruturas, ao ponto que no final tudo funciona e vemos a necessidade e a felicidade que algo simples hoje pode causar quando a pessoa não tem, e assim o nome do filme funciona não apenas para a falta de água, mas sim para a seca de sentimentos, de vida, e de tudo mais. Ou seja, é um filme que parecia inicialmente meio bobo, sem muita conexão e envolvimento, mas que depois tudo vai fluindo e o resultado impressiona até que bastante, valendo a reflexão e tudo o que é mostrado talvez dê novos sentidos para quem enxergar a mensagem por completo.

A sinopse nos conta que não chove em Roma há três anos e a falta de água distorce as regras e os hábitos. Na cidade que morre de sede e proibições, move-se um coro de personagens, jovens e velhos, marginalizados e bem-sucedidos, vítimas e aproveitadores. Suas vidas estão ligadas em um único desenho zombeteiro e trágico, enquanto cada um busca sua própria redenção.

Diria que o diretor Paolo Virzi foi muito sagaz na dinâmica completa da trama escrita por diversos roteiristas (acredito que cada um desenvolvendo a síntese de uma das várias histórias paralelas que acontecem no filme), pois ele não ficou amarrado para focar só em uma ou outra história, ou precisar logo de cara colocar todas as devidas conexões, mas sim foi fluindo com cada uma, entregando as diversas dinâmicas e desesperos das pessoas, os roubos, os protestos e tudo mais que acaba rolando durante cada ato, mas também foi trabalhando os envolvimentos sem explosões e dando as devidas nuances para que tudo se encaixasse bem, tudo tivesse um bom simbolismo com a palavra seca, e mais do que isso ele foi coerente em não correr com sua trama para precisar criar histórias grandes, ao ponto que o filme tem pouco mais de duas horas, mas flui com naturalidade, causa a comoção e a reflexão, e assim funciona com todas bem contadas, desenvolvidas e fechadas praticamente juntas. Ou seja, ele conseguiu algo que poucos diretores que se arriscam com multi-histórias conseguem fazer, que é de não soar falso com nenhuma das tramas, pois o simbolismo e o envolvimento funcional acabam entregues e o resultado não desanda.

Sobre as atuações costumo dizer que nesses filmes o foco é muito difícil de ser dado, ao ponto que cada um fez seus atos bem separados e praticamente ninguém teve grandes chamarizes, valendo dar um pouco mais de destaque para o motorista vivido por Valerio Mastrandela que está tendo alucinações conversando com pessoas mortas dentro do seu carro e praticamente dormindo dirigindo, aonde vemos bons olhares e desenvolturas, tivemos também Silvio Orlando como um presidiário que não queria sair mais da prisão e quando sai por engano passa a procurar seus parentes pela cidade, fazendo atos meio vagos e perdidos, mas bem divertidos de ver por ainda achar que tudo está como vários anos atrás, tivemos alguns bons ensejos de Claudia Pandolfi com sua médica Sara que descobre mais sobre a doença, mas tem uma vida que não é muito conectada com a família, e consegue passar muito sentimento em seus atos, entre outros, e até mesmo Monica Bellucci faz uma participação leve bem encaixada que tem um simbolismo interessante para a trama, mas nada que impressione muito.

Visualmente a trama foi bem conduzida, mostrando uma cidade árida, com os rios secos aparecendo coisas jogadas que nem imaginavam existir, vemos hotéis para ricos se aproveitando da água que tem dando conforto e luxo para seus hóspedes, os hospitais abarrotados de pessoas com uma doença misteriosa, as casas com baratas saindo de tudo quanto é canto, o delírio coletivo com pessoas dançando e protestando ao mesmo tempo, limites de água para comprar nos mercados e para usar em casa com pessoas sendo presas por ultrapassar o gasto, lavar carros, aguar plantas, jornais fantasiosos querendo usar pessoas para aparecer e ter ideias, e até mesmo uma orquestra tocando em prol de fundos para pessoas sem água, ou seja, um filme com tantas ideias e vértices que poderiam dar muito errado, mas que funcionam demais, mostrando um trabalho cênico perfeito muito bem elaborado que chama atenção do começo ao fim.

Enfim, é um filme muito bem feito, cheio de nuances, cheio de ideias, com vários personagens e histórias interessantes, e que brilhantemente se conectam bem em algo que foge completamente do ar novelesco que esse estilo costuma entregar, ou seja, beirou a perfeição para esse que vos escreve, pois acertar nesse estilo é algo dificílimo, mas que foi tão bem desenvolvido que envolve mais do que erra, mesmo tendo algumas histórias forçadas demais, mas isso seria impossível de acontecer, então recomendo bastante, e aproveitem para conferir, afinal está gratuito no Festival de Cinema Italiano até o dia 04/12, e eu volto em breve com mais textos dos demais filmes de lá, então abraços e até logo mais.


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