Aqueles Que Ficaram (Akik Maradtak) (Those Who Remain)

3/06/2020 01:47:00 AM |

Sabe quando você entra no clima do filme, vai se conectando com tudo, sente a dor e o sentimento dos personagens, mas de repente tudo começa a cansar e você já nem sabe mais para qual rumo o diretor queria que você seguisse com os protagonistas? Esse pode ser bem um resumo do que sentimos conferindo "Aqueles Que Ficaram", que foi o indicado da Hungria para o Oscar 2020, que não chegou entre os cinco indicados, mas é notável toda sua qualidade técnica, e o envolvimento que a trama passa ao demonstrar a falta de algo na vida dos protagonistas, o medo de ser mais um que o Partido iria dar sumiço, do laço afetivo ser forte num consenso maior, e tudo mais, porém conforme vamos indo a fundo na trama, já não conseguimos ver para onde ela poderia fluir melhor, e o resultado desanima, até chegarmos nas últimas cenas, que voltam a ser belas, e muito bem feitas. Ou seja, acabaram arrastando demais o miolo, e aí acaba sendo a falha, pois temos um belo começo e um ótimo final, mas o recheio desandou um pouco. Claro que passa bem longe de ser uma bomba e esse risco ter atrapalhado tudo de bom do filme, mas poderia ser ainda menor que funcionaria mais ainda.

O longa nos situa na Hungria, Budapeste, 1948. O médico Aldo, 42, recebe Klara, 16, para exames ginecológicos para saber porque a sua puberdade chegou tardia. Ambos são sobreviventes e trazem marcas da guerra. Ele perdeu a mulher e os 2 filhos e ela, em turras com a avó, sonha com o retorno – improvável – de seus pais. É o encontro de 2 solitários que tentam recuperar as suas vidas. Embora Aldo siga rigorosamente as regras de decoro, compartilham o que podem: o álbum de fotos dele; ela confidencia sobre os seus pais, a irmã que não conseguiu salvar da morte e sobre Deus. Mas a convivência de um homem de 40 anos e uma adolescente, suscita desconfianças. E o terror não findou: o império soviético acaba de chegar.

O diretor Barnabás Tóth soube dominar bem o ambiente, tanto que todo o filme tem uma coerência, tem sentimento e acerta no estilo, de modo que algumas cenas são marcantes pelo lado forte, como a dos homens do Partido entrando no apartamento ao lado, a do amigo falando que poderia denunciar ele, e outras acabam doces e envolventes como a da garota mudando de cama e o cara indo buscar a coberta para ela. Ou seja, é um filme que trabalha bem toda a amplitude cênica, tem uma certa cadência, e mesmo sendo curto, apenas 83 minutos, parece ainda maior pelo miolo sem muitos problemas acontecendo, de forma que faltou para o diretor resumir alguns atos, e acertar o ritmo de outros, que aí com certeza teríamos o filme entre os cinco candidatos ao Oscar Internacional, mas nem sempre dá para acertar, e assim alguns podem se cansar e odiar o filme, ou outros se emocionar mais com tudo, vai depender do dia.

Sobre as atuações, é algo bem raro vermos em filmes mais artísticos uma química tão imponente como a dos dois protagonistas aqui, e Károly Hajduk entregou um Aldo/Aladár tão cheio de sensibilidade, o olhar triste de quem perdeu tudo inclusive a vontade de viver, e que quando estava acostumando com sua solidão, uma mudança brusca acaba entrando em seu mundinho fazendo tudo girar, ou seja, ele acaba se entregando mesmo ao personagem, e o resultado embora soe calmo demais, funciona com envolvimento e boa dinâmica. Da mesma forma Abigél Szöke trouxe para sua Klára uma garota sem muito fluxo, que chega a ser até irritante pela pegada cênica incômoda, mas que trabalha seu vértice de uma forma bem coesa e funcional, o que dá envolvimento também em quase todas suas cenas, ou seja, funciona bem também. Quanto aos demais, a maioria quase nem é usada, aparecendo em cenas espalhadas, se entregando com olhares para os protagonistas, e com isso quase esquecemos deles, como a tia da garota, ou o jovem que aparece mais para o fim, e principalmente da enfermeira do hospital, que volta na cena final quase que como jogada na trama, ou seja, poderiam até ter eliminado esses personagens, que não fariam falta para a trama.

A densidade visual da trama também é bem imponente pela simplicidade em si, pois vemos alguns atos quase que minimalistas para mostrar que já não tem quase mercado para que eles comprem mantimentos, e ainda mais coisas simples para usarem, de modo que tomam chá com sabor de limão por não ter limão, e no café isso é bem mostrado pelo ar de riqueza funcional naquele lugar. Ou seja, a equipe de arte precisou pesquisar e muito para fazer o filme ser simples, e principalmente para representar tudo o que desejavam com pouco, pois em momento algum a trama pedia sequer uma caneta a mais no set, e isso funcionou muito bem.

Enfim, é um filme que tem um bom estilo, e que volto a frisar que empolga bastante pelo começo e pelo fechamento, mas que se arrasta no miolo, parecendo ser bem maior do que realmente é, mas que vale uma boa conferida para ver a época retratada, e o sentimento das pessoas que tiveram seus familiares levados pelo Holocausto, ou seja, é problemático, mas funciona bem. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.

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