Florence, Quem É Essa Mulher? (Florence Foster Jenkins)

7/08/2016 01:01:00 AM |

Se na semana passada estreou no Brasil a versão francesa (que vi no Festival Francês e você pode ver o que falei do filme aqui) que apenas se baseou na história de Florence Foster Jenkins e abusou de excentricidades para mostrar os devaneios de uma mulher rica que achava que podia cantar grandes árias de óperas clássicas, agora o público pode conferir a versão britânica, que lendo um pouco sobre a biografia da "cantora" enxergamos algo bem mais próximo do que aconteceu realmente em "Florence, Quem é Essa Mulher". Claro que deram uma boa floreada para que a trama fosse envolvente, bonita e cheia de carisma com tudo o que é passado, mas ao menos a proposta de algo mais poético sobre a vida de uma mulher rica apaixonada por música que não acertava uma nota sequer em seus cantos, pode ser vista de uma forma mais singela e agradável, que mostra que devemos acreditar em nossos sonhos, mesmo que todos riam de sua maluquice. Ou seja, um filme lindo e interessante, que claro sob uma perspectiva mais artística do que comercial vai acabar tendo pouca bilheteria, mas que quem puder ver, certamente vai gostar muito.

A sinopse do longa nos conta basicamente que Florence Foster Jenkins é uma rica herdeira que persegue obsessivamente uma carreira de cantora de ópera. Aos seus ouvidos, sua voz é linda, mas para todos os outros é absurdamente horrível. O ator St. Clair Bayfield, seu companheiro, tenta protegê-la de todas as formas da dura verdade, mas um concerto público coloca toda a farsa em risco.

Se o diretor Stephen Frears pode se gabar por ser especialista em biografias, o roteirista Nicholas Martin já não segue o mesmo rumo, pois este é seu primeiro longa após vários episódios de séries televisivas, mas longe de Frears pegar um texto fraco, o que o roteirista acabou passando certamente foi algo singelo e bem desenvolvido no grande coração da protagonista e claro no diferente amor dela com seu marido, mesmo que para isso fora preciso colocar doença em jogo e outras coisas que talvez seja enfeite emotivo demais contra a criatividade de uma biografia mais lisa. Não digo que isso tenha atrapalhado, muito pelo contrário, ao se diferenciar bem da versão francesa da mesma história (que aliás se compararmos parecem ser de duas mulheres completamente diferentes tirando o detalhe de ser riquíssima e cantar mal óperas) que procurou ser criativa demais puxando um estilo mais bizarro, aqui a simplicidade e o estilo clássico do romantismo de época acabou funcionando e agradando bem mais. Frears foi certeiro ao trabalhar alguns personagens quase figurativos com pouquíssimas aparições nas cenas chaves, como o crítico interpretado por Christian McKay (que mostra algo muito comum e que me irrita profundamente de críticos que não assistem uma peça/filme inteiros e apenas criticam pelo que inventam de sua cabeça) e uma mulher que inicialmente tem de ser retirada da apresentação por rir tanto do que vê, mas que num segundo momento nos faz emocionar ao máximo com o que faz pela protagonista, ou seja, o diretor dosou comicidade e tensão por entremeios brilhantes e interessantes de serem vistos, o que poucas vezes cai bem em uma comédia.

Não digo que o papel de Meryl Streep seja algo digno de lhe dar uma nova indicação ao Oscar, mas que novamente a atriz brilhou em um papel digno de ser apreciado, isso com toda certeza deve ser dito, pois sua Florence é trabalhada tanto na cantoria gritada quanto nos momentos mais singelos e isso a atriz coloca seus olhares, trejeitos e carisma num ponto que vai além do comum de uma atriz, e assim ela acaba desenvolvendo um lado seu que já vimos em outros filmes, mas sempre ressaltando para uma nova nuance que faz com que a personagem que já teve quatro peças, um documentário e agora duas ficções ficará completamente marcada por sua interpretação. Hugh Grant está velho e já marcou época em diversos longas interessantes, isso é um fato claro, mas podemos dizer que seu St. Clair será certamente um dos personagens marcantes de sua carreira, pois ao demonstrar todo o carinho do personagem para com a protagonista, mesmo tendo um casamento de aparências ele nos envolve e deixa no ar coisas tão belas de um relacionamento que poucos artistas teriam a mesma capacidade, e essa forma expressiva sempre envolvente demonstrou o quanto o ator é bom em trabalhar sua expressão facial tradicionalmente travada. Marcado pelo papel que faz em The Big Bang Theory, Simon Helberg conseguiu encontrar um estilo tão eloquente para o seu Cosme McMoon que logo de cara passamos a gostar dele, claro que após seu primeiro dia com a protagonista ao descer do elevador, todos se conectam completamente com ele por desejar fazer o mesmo, mas o ator arrumou brechas e trejeitos para que cada cena que estivesse envolvido ficasse melhor que a outra, e isso é algo dificílimo, pois mesmo em grandes filmes, acabamos marcando o ator por uma ou outra cena, e aqui todas sem exceção foram perfeitas e bem colocadas com carisma, expressividade e boa dosagem cômica sem ficar apelativa, ou seja, um grande ator que tem de ser mais usado no cinema. Como disse acima, o diretor soube trabalhar bem dois quase figurantes de luxo, e Christian McKay foi bem colocado no papel do crítico Earl Wilson do jornal The Post em suas duas cenas, e Nina Arianda caiu como uma luva no papel de Agnes Stark trabalhando suas três aparições com formas claras do que a personagem poderia fazer e ser bem encaixada. Os demais atores apareceram para servir de boas conexões, e até agradaram no que fizeram, mas nada que tenha de ser bem destacado.

Quando fazem produções de época, algo que sempre ficamos muito atentos é na composição cênica, pois uma direção de arte mal-feita é capaz de arruinar um filme inteiro, mas aqui nem sonharam com a possibilidade de erros, e mesmo sendo gravado inteiramente na Inglaterra, conseguiram passar ótimas nuances dos anos 40 nos EUA, mostrando um Carnegie Hall incrível, diversos prédios clássicos e muita personalidade no figurino de cada personagem para que com muito rigor mostrasse homens elegantes nas óperas e até mesmo nos almoços do dia-a-dia, o que era algo tradicional da época entre os ricos. O apartamento de Florence cheio de referências clássicas de óperas e peças que trabalhou, mostrando toda sua riqueza, em contraponto com o apartamento completamente simples, quase sem móveis, mas claro tendo seu fiel companheiro piano, do pianista Cosme, ou seja, tudo bem detalhado para representar cada ato e cada personagem dentro do seu ambiente. A cena dentro do Carnegie Hall foi impressionante pela quantidade de figurantes e pela magnitude de figurinos diferenciados para representar o show mais marcante da carreira da cantora, e tudo feito nos mínimos detalhes para impressionar. A iluminação se conteve em trabalhar bem com sombras e tons mais escuros nos momentos de tensão, para criar a dinâmica proposta, mas combinou elementos em tons pasteis com tons vivos ao redor para divertir nas partes com teor mais cômico, e sem ter câmeras bruscas, mas trabalhando sempre uma movimentação bem gostosa de acompanhar, cada cena foi envolvida por bons momentos.

Enfim, um filme excelente, que agrada e falha bem pouco nos momentos de fechamento, pois poderiam ter mostrado mais dos últimos suspiros da personagem, mas aí o longa acabaria saindo de uma comédia para um drama mais pesado, e isso certamente não era o desejo do diretor, e sendo assim, recomendo o filme para todos que gostem de ver comédias sem cenas forçadas e com uma boa nuance de época como todo bom filme deve ter, ou seja, praticamente um clássico. Sei que muitos verão o filme com olhos estranhos, pois não é aquela comédia escrachada tradicional, e também não é um dramalhão clássico, e isso o aproxima bem das dramédias francesas que tanto lotam os festivais de cinema, e dessa forma, por não dar tanta bilheteria, os cinemas acabarão passando o longa bem rapidamente, e quem quiser ver, veja o quanto antes. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com a outra estreia da semana, então abraços e até mais tarde.


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