Meu Rei (Mon Roi) (My King)

6/18/2016 02:39:00 AM |

Tem muita gente que tem medo de possessões demoníacas, mas a verdadeira possessão que qualquer um deve temer com toda certeza é a afetiva dentro das relações. Pode parecer algo que muitos vão discordar, mas mesmo aparecendo muitas feministas por aí dizendo que tudo mudou, é difícil quem não conheça uma amiga que já não tenha se dado muito mal ao cair nas mãos de um cafajeste possessivo, e que após muitas brigas, discussões, tentativas de se matar (em casos extremos), passa dois dias, duas semanas, dois meses ou dois anos, tromba com o infeliz, e lá está novamente se atracando com o "bonitão" canalha, e depois o restante fica sempre num ciclo vicioso ridículo de ver. Isso é algo que não é só no Brasil, e isso é um fato, pois já vimos longas americanos e até outros franceses antes de "Meu Rei" aparecer em Cannes no ano passado e causar diversas discussões sobre o tema. O filme de certo modo é bem duro e causa discussões sobre o que é válido em uma relação, até que ponto chega o amor fronte à traições, e até mesmo qual o nível de passividade que você tem em uma discussão, e tudo isso flui bem em 124 minutos, parecendo até mais alongado devido o estilo de quebra na edição, mostrando presente e passado sem muita determinação inicial, mas que depois vamos conectando tudo. É no mínimo um filme interessante, mas que só quem gosta muito de dramas textuais vai sair agradado com o que verá, pois alguns momentos causam tanta revolta que mesmo o mais machista possível é capaz de ficar inconformado com a situação completa da trama.

O longa nos mostra que depois de um grave ferimento no joelho, Tony se muda para o sudoeste francês para realizar um longo tratamento capaz de ajudá-la a caminhar normalmente. Mas esta não é a sua maior dor: ela ainda amarga um relacionamento infeliz com Georgio, homem violento e possessivo com quem tem um filho. Aos poucos Tony consegue se recompor e aprende a se defender.

A diretora Maïwenn possui um estilo diferenciado dentro dos dramas franceses, seja por atuar mais do que dirigir, sempre acaba pegando uma ideia de um diretor aqui, outra acolá e isso é notável em todas as suas produções. Claro que não usa apenas os filmes que trabalha de escola, pois quem assistiu "Polissia" e for assistir a esse longa verá que seu estilo é bem interessante e trabalhado em perspectivas mais cruas e presenciais, ou seja, ela acaba nos colocando quase como parentes ou amigos de seus protagonistas para que possamos opinar em cada momento do filme, colocar a mão na cabeça revoltado com algo, ou até mesmo somente guardar para si e filosofar depois em determinado momento sobre como a situação toda é cruel no seu modo completo. Ou seja, o ótimo roteiro de Etienne Comar adicionado ao estilo incisivo da diretora fez com que o filme até possa ser um pouco cansativo, afinal uma grande DR de 124 minutos como muitos descrevem o longa, pode ser dura de aguentar, mas o contexto completo do filme é algo muito bonito e bacana de ver.

Não só foi tão impactante a atuação de Emmanuelle Bercot como a fez ganhar o prêmio de melhor atriz em Cannes pela ótima forma que interpretou sua Tony, e se alguns reclamam da falta de visceralidade na interpretação de algumas atrizes, certamente não viram o trabalho que acabou fazendo no longa, pois a cada momento víamos suas veias saltadas na face, seu olhar desesperado e tudo mais que poderia eximir nos momentos mais duros da trama, mas também podemos enxergar muita paixão nos momentos mais leves, e essa ambiguidade incrível que acabou passando para a personagem não só mostra sua qualidade técnica perceptiva de atriz, como também mostrou o que acabou passando na sua direção de um filme do mesmo ano em Cannes, que vimos no Festival do ano passado: "De Cabeça Erguida", ou seja, perfeita. Vemos tantos filmes por ano com Vincent Cassel que quando aparece num filme francês realmente acabo ficando na dúvida se ele é nacional do país mesmo, e aqui a personificação de cafajeste que deu para seu Georgio é algo tão elaborado que não tem como gostar dele, e isso mostra o quanto é bom ator, pois segurar a onda em todas as cenas certamente foi algo que ele deve ter sentido ódio por dentro, mesmo sendo homem, pois a diretora lhe exigiu ao máximo, e ele retornou da melhor forma possível. Louis Garrel nos entrega um Solal diferenciado, mas de certo modo chato demais de acompanhar, é claro que como todo irmão a defesa para cima da irmã é algo genuíno de se ver, mas seu estilo ficou jogado demais para servir de base para algo, faltando um pouco de dinâmica para o ator agradar mais. O mesmo posso dizer de Chrystèle Saint Louis Augustin que apareceu pouquíssimo com sua Agnès, mesmo sendo citada em quase todo o filme. Agora se tenho de destacar algum coadjuvante, sem dúvida alguma tenho de pontuar para Giovanni Pucci, o garotinho de 3 anos que não sei como fizeram para ser tão sincero nas palavras, mas foi uma fofura em pessoa.

A trama foi também muito elaborada no conceito visual, pois passa por locações bem decoradas e cheias de elementos cênicos que acabam sendo usados durante todo o filme, e desde a clínica de reabilitação perfeita com moradia e tudo mais, aonde a protagonista encontra novos amigos, passando pelas festas do casal em jardins e clubes bem montados, até chegarmos nas duas casas do casal, as quais foram decoradas com minúcias diferenciadas para trabalhar cada momento do filme, mostraram que a equipe de arte não estava para brincadeira, e diferentemente do que costuma ocorrer em dramas franceses que usam mais o diálogo do que o ambiente para se desenvolver, aqui podemos dizer que a diretora não quis economizar com nada. E claro que junto de uma boa direção de arte, a direção de fotografia sempre vem pronta para não decepcionar, e com ótimas nuances de sombras, que deram tons mais pesados para os momentos de discussão, e incríveis tomadas completamente abertas e cheias de luz nos momentos felizes, eles nos colocaram completamente dentro de cada situação para que as nossas decisões influenciassem muito no que iríamos achar do filme, ou seja, um trabalho preciso e muito bem feito.

Enfim, é um filme que não é muito fácil de acompanhar, mas que agrada bastante quem gosta de um ótimo drama, e segura bem as pontas do começo ao fim. Claro que volto a frisar, se você não gosta de longas cheio de inflexões dramáticas fuja dele, mas se gosta de filmes que provoquem muita discussão, esse é o do momento. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais textos, então abraços e até breve.

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