Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia de Vingança

8/19/2023 06:01:00 PM |

Já faz algum tempo que o cinema nacional tenta fugir das tradicionais comédias bobas e dos dramas e romances novelescos, aonde alguns corajosos cineastas se arriscam em longas de gêneros mais trabalhados e com sínteses mais intensas, e no ano passado tivemos o filme "A Jaula" que mostrou algo bem semelhante ao filme de hoje, aonde vemos pessoas indignadas sem justiça pelos órgão responsáveis fazendo a justiça com as próprias mãos, e é algo que vemos muito por aí, afinal não vemos soluções para a forma que o mundo está. E diria que o que vi hoje em "Tempos de Barbárie - Ato I: Terapia de Vingança" é o reflexo desse mundo aonde vemos pessoas aconselhar outras a fazer terapia após perder entes queridos, vemos um jogando a culpa no outro, mas quando surta e sai da casinha, falam que a pessoa não tentou se tratar, não tentam entender o desespero de uma mãe que perde a filha para o tráfico, para os policiais corruptos, para os policiais maiores que auxiliam o tráfico de armas, para as fábricas de armas e por aí afora, e a sacada aqui embora demorou um pouco demais para atingir o ápice foi bem desenvolvida, mostrou toda a dinâmica da personagem com um plano elaborado e bem inteligente, mas que talvez soe um pouco falso pela forma que consegue fazer tudo tão "facilmente", porém o diretor foi esperto e fez algo interessante e bem trabalhado, que talvez escolha outros estilos para trabalhar nos atos seguintes, mas felizmente fechou esse com uma síntese bem colocada e que funciona na tela.

No longa acompanhamos uma mãe, a advogada Carla, que vê a filha ser baleada durante uma tentativa de assalto. A menina fica em estado grave. Sem respostas, Carla tenta seguir a vida buscando ajuda em grupos de apoio. Mas sem conseguir aceitar o destino da filha e a falta de soluções por parte da polícia, transforma a busca por justiça em uma procura por vingança. No balanço entre a vida e a morte a qualquer minuto, Carla decide fazer a justiça com as próprias mãos e testar os seus próprios limites. Até onde ela será capaz de ir?

Diria que o diretor e roteirista Marcos Bernstein é um cara bem eclético e que gosta de experimentar um pouco de tudo em suas obras, mas que não foge da entrega, deixando sempre a sua opinião na tela e a desenvoltura completa de suas sacadas nas mãos e expressões dos artistas que escolhe trabalhar, e assim sendo, ao trabalhar uma trama policial de vingança, ele colocou todas as fichas na sua protagonista e desenvolveu ao seu redor boas sacadas, boas dinâmicas e todo o ambiente para que os frutos fossem colhidos maduros e não antes da hora, de tal forma que a trama funciona bem, não fica na mesmice com ares novelescos, e também fosse intensa, indo para rumos bem colocados e que agradam quem gosta do estilo. Claro que pelo nome, pelas dinâmicas iniciais e também pelo estilo criado, já assistimos esperando o que iria acontecer num primeiro momento, e quando ocorre a cena pós morte no hospital achei que iria mudar tudo e ir por outros caminhos, mas não tinha como, e com toda a base bem trabalhada o final acaba sendo esperado, porém ainda assim bem feito. Ou seja, é um filme bem tradicional, mas que tem estilo e funciona, e que ousou bem na montagem, que acaba sendo dinâmica e bem intensa.

Sobre as atuações, como já disse a trama quase que inteira depende de Cláudia Abreu com sua Carla, e a atriz soube segurar bem toda a força da personagem, deu nuances fortes e emocionais bem colocadas e criou toda a perspectiva interessante de desespero, de surto e de força, afinal ela dá conta sozinha de vários homens bem maiores que ela, e conseguindo assim ir além na história, ou seja, agrada bastante e marca com olhares e trejeitos bem trabalhados, sem forçar a barra nem ficar de enfeite, o que mostra mais do mesmo que sabemos, que é uma tremenda atriz. Ainda tivemos Júlia Lemmertz com sua terapeuta Natália, mostrando as nuances clássicas dessa profissão, passando mensagens bem colocadas e sendo sincera quanto aos seus sentimentos e o que passou no passado, chamando alguns bons atos para si e agradando também. Diria que o personagem de Alexandre Borges como amigo do trabalho que dá a primeira arma para a protagonista e lhe coloca no meio criminal para vingar a filha é simples demais para o tanto de potencial que o ator tem, mas ao menos não ficou neutro no meio do caminho. Kikito Junqueira trabalhou bem seu Beiçinho, fazendo atos intensos e também depois se desesperando quando viu que não tinha mais alternativas ali, de forma que não errou e fez bem o que precisava fazer em cena, e da mesma forma ainda vemos Pierre Santos com seu policial militar Jorge, totalmente corruptível como muitos casos que conhecemos no país, e fazendo trejeitos sempre marcantes nos atos que foi colocado, e sem precisar ir muito além, Adriano Garib foi na mesma onda como o traficante de armas da Polícia Rodoviária Federal, o que ficou um pouco repetitivo, mas que agradou de certa forma. Por fim ainda tivemos Cesar Mello como marido da protagonista, mas sem ir muito além de trejeitos e dinâmicas como um médico que praticamente abandona a esposa nos sentimentos fechados dela, e isso acabou ficando meio contra o seu personagem.

Visualmente a trama tem bons atos, criou desenvolturas clássicas do estilo com cenas no meio das favelas, mostrando alguns bailes, algumas casas meio que deixadas de lado aonde ninguém vê a vida de ninguém, alguns atos em hospitais, em centros de apoio, mostrando um cinema meio que estranho aonde apenas as pessoas são números, e também tendo uma boa sacada na fábrica abandonada, que dava até para ter rolado cenas ainda mais tensas ali dentro, mas que funcionou dentro da proposta e isso é o que importa. Ou seja, a equipe de arte mostrou bem carros blindados, mostrou desenvolturas de armas e fez com que os ambientes ficassem marcantes com um estilo bem próprio.

Enfim, é um bom longa, que tem estilo e chama a atenção para algo que está acontecendo com muitas pessoas que desejam justiça e tem ido fazer muito com a própria mão, mostra bem um lado marginalizado que não temos como achar quem é o verdadeiro culpado, e vai além da estrutura tradicional novelesca nacional em filmes, o que acaba agradando bastante, e assim sendo vale a recomendação, pois estava com muito medo do título do filme "Ato I", que seria apenas algo mais simples que terminaria sem sentido, mas que provavelmente veremos outros filmes sendo desenvolvidos em cima de outros problemas revoltantes na sociedade. E é isso pessoal, não é um filme perfeito, mas vale toda a imposição em vermos um cinema nacional diferente que funciona, e assim recomendo ele e fico por aqui hoje, então abraços e até amanhã com mais dicas.


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