A Favorita (The Favourite)

2/02/2019 08:32:00 PM |

Quando falamos sobre estilos clássicos de cinema, o principal que nos vem a mente são os de monarquia, aonde o desenrolar de reis, rainhas, ministros, lordes, criados e afins nos envolvem com tanta beleza cênica, aonde os riquíssimos palácios são trabalhados com minúcias, os figurinos são moldados para que o público se envolva, e claro, geralmente grandiosos artistas acabam entregando personalidades fora dos limites para que conheçamos o momento entregado, e tudo ao redor do conteúdo. E usando desse artifício, e jogando no ar muitas intrigas entre um trio magistralmente dirigido, o resultado do filme "A Favorita" vai muito além das questões palacianas, e encontra didática suficiente para abordar assuntos polêmicos, rixas bem armadas, e situações cheias de interesses fortes, o que deu para a trama diversas indicações aos prêmios da temporada, mostrando que esse estilo, que andava levemente desaparecido, voltou com muita classe, elegância, e claro rasteiras para todos os lados para criar perspectivas fortes e interessantes de serem conferidas.

O longa nos situa no início do século XVIII. A Inglaterra está em guerra com os franceses. No entanto, corridas de pato e degustação de abacaxi estão prosperando. Uma frágil rainha Anne ocupa o trono e sua amiga Lady Sarah governa o país em seu lugar enquanto cuida da saúde precária de Anne e seu humor impiedoso. Quando uma nova serva Abigail chega, seu charme a leva a Sarah. Sarah leva Abigail sob sua asa e a serva vê uma chance de retornar às suas raízes aristocráticas. Como a política de guerra passa a ocupar muito tempo de Sarah, Abigail entra na brecha para preencher o espaço como companheira da rainha. Sua crescente amizade dá a ela uma chance de cumprir suas ambições e ela não deixa mulher, homem, política ou coelho ficar em seu caminho.

O trabalho que o diretor grego Yorgos Lanthimos conseguiu fazer com sua trama é algo que mostra bem seu estilo que já vimos em outras obras suas, que é principalmente mostrar que se der mole para alguém, esse alguém irá passar por cima de você a qualquer custo, e aqui ele trabalhou bem a época aonde muitas intrigas rolavam nos palácios, criadas eram atacadas, e qualquer coisa era motivo para se aumentar os impostos (se bem que isso não foi só naquela época), e com um cunho bem trabalhado, o diretor conseguiu ir criando situações bem abertas para discussões, construindo a trama sem se limitar a nada de fora, mas principalmente focando somente aonde devia, que no caso é no trio principal, e dessa forma ele foi muito certeiro, pois recair no exército, ou até mesmo no parlamento que estava bem próximo, ou em qualquer outra coisa, traria um viés fora de estilo para a trama, e resultaria em algo não tão genial assistir. Outro ponto bem positivo foi o formato escolhido pela edição para criar quase que um livro bem montado, aonde vamos lendo capítulo a capítulo, entendendo o que é importante ali por mensagens ditas, e como cada abertura teve seu nome determinado aos atos que seriam desenvolvidos, o resultado foi uma leitura dinâmica do capítulo, mas sem deixar que nada fora do eixo acontecesse, ou seja, um trabalho bem dinâmico e cheio de desenvoltura para que tudo fosse entendido e ajustado.

Sobre as interpretações basicamente só temos uma palavra para definir: show! Pois esse é um dos estilos de filmes aonde raramente os personagens conseguem se sobrepor ao cenário e a essência da trama, mas o que o trio principal fez foi algo aonde elas conseguiram entregar com muita personalidade, olhares fuzilantes, e principalmente entonações fortes um resultado inteligente, e cheio de símbolos, ou seja, não é a toa que as três estão sendo indicadas à todos os prêmios. Olivia Colman inicialmente pareceu ser mero símbolo com sua Anne, tanto que já estava até pensando que tinham feito a famosa jogada de indicar ela como principal e as demais como coadjuvante para que as premiações fossem mais fáceis, mas foi crescendo conforme o longa ia crescendo também, que ficamos impressionados com seus atos expressivos, dando ótimas e fortes cenas com uma personalidade bem própria e colocada. Rachel Weisz veio tão imponente com sua Sarah que chega a dar muito medo de tudo o que faz, impondo o ritmo da trama, as jogadas sujas e tudo com um charme clássico ainda por cima, chamando para si a responsabilidade em muitos momentos, o que mostra a atitude coerente que precisava para envolver. Emma Stone também começou bem no cantinho com sua Abigail, mas vai se mostrando uma cobra sorrateira de primeira linha, incorporando trejeitos fortes, mostrando muita dramaticidade falsa, e ao chegar no clímax do filme já estava no ponto mais alto seu também, e aí foi só fechar com chave de ouro. Quanto aos demais personagens, tivemos poucos que chamaram a atenção, valendo destacar apenas James Smith como o primeiro ministro Godolphin, Joe Alwyn como Mashan, mas principalmente o show de trejeitos vindo de Nicholas Hoult como o sorrateiro Harley.

O que falar de uma cenografia palaciana? Nada né, pois a perfeição é nítida em todos os atos, aparecendo elementos cenográficos incríveis em cada ato, detalhes mínimos nos ambientes principais, como o quarto da rainha, os túneis interligando os quartos, as corridas de patos, as cozinhas e festas regadas a muita comida e vinho, e claro um figurino incrível cheio de detalhes que estamos acostumados a ver em longas de monarquia, mas com um luxo ainda maior pela época escolhida para viver a trama, de modo que conseguiram chamar atenção até nas cenas de um puteiro. A fotografia embora seja simples, está muito linda quase toda iluminada por velas, dando tons alaranjados incríveis de ver, que conseguiram trabalhar as sombras e nuances com muito primor técnico.

Enfim, um longa com estilo clássico, cheio de bons momentos, interpretações incríveis, e uma direção precisa recheada de reviravoltas envolventes, o que fez com que o longa caísse nas graças dos críticos, e que certamente irá fazer até quem não gosta desse estilo mais calmo de filmes, se empolgar com os atos dos personagens, e acompanhar torcendo para cada personagem, quase virando algo comum de vermos em novelas. Só não diria que é um longa perfeito, por um outro ato mais jogado com excessos por parte da edição, que poderia não ter quebrado tanto, mas de resto é incrível cada momento. Ou seja, um filme bem completo, que agrada e envolve, que consegue desenvolver cada momento como algo único, e que vale muito a recomendação para todos, desde quem gosta do estilo, até quem prefere longas mais agitados que conseguirá se atrair pelas intrigas que rolam por parte de todas as personagens. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.

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