O Último Cine Drive-in

8/23/2015 02:20:00 AM |

Sabemos que ultimamente as produtoras nacionais só nos tem entregado comédias novelescas, ou quando arriscam com algo com uma certa pitada dramática acabam errando feio. Pois bem, se você acha que não podemos ter uma comédia dramática bem feita em nosso país, a partir de hoje pode mudar seu conceito com "O Último Cine Drive-in", que ao mesmo tempo que consegue nos deixar com um sorriso estampado na cara durante toda a duração, conseguiu comover totalmente quem tem paixão pelo cinema, e sabe o quão interessante era ir aos cinemas de rua ou de estacionamento. O longa até possui alguns defeitos que são bem perceptíveis, mas a história e a forma que foi montado é tão maravilhoso de ver na telona que saímos da sessão vibrantes com o resultado e emocionados com tudo o que foi entregue.

O filme nos mostra que o jovem Marlombrando se vê obrigado a voltar à Brasília, sua cidade de natal, devido a doença de sua mãe, Fátima. Lá, ele vai reencontrar seu pai, Almeida, dono do Cine Drive-in, há 37 anos. Ele insiste em manter vivo o cinema, mesmo não atraindo mais espectadores como na década de 70. Para isso, conta com a ajuda de apenas dois funcionários: Paula, que cuida da projeção e da lanchonete; e José, um velho amigo de Almeida, que ajuda a vender ingressos no caixa e da limpeza do local. Com a ameaça de demolição do Cine Drive-in e o agravamento da doença de Fátima, pai e filho vão ter que se unir e tentar reviver o passado.

É interessante ver o que o diretor e roteirista Iberê Carvalho nos entregou, pois ao sair completamente dos padrões que o público está acostumado a ver nas comédias e dramas nacionais, ele correu o risco de seu filme não empolgar, o que acaba não ocorrendo, ao menos para os fãs de cinema das antigas, pois mesmo que exagerando no tom mais saudosista, ele soube dosar as cenas mais cômicas com a tensão familiar e o clima pesado de uma última sessão de cinema no último cinema de estacionamento (cine drive-in) do país, para que o filme ficasse leve e gostoso de assistir. E dessa maneira, ele conseguiu trabalhar a sintonia de um bom filme no modelo tradicional, ou seja, usando apenas a interpretação dos atores dentro do texto escrito, não dependendo de efeitos nem de iluminações impressionantes, para que a trama se desenvolvesse bem e ainda prendesse o espectador com cenas comoventes bem interpretadas, usando de bons ângulos de câmeras e ainda pontuando com classe para aqueles que não conheciam uma projeção em película como é feita. Um grande acerto para ele, que já havia ganhado muitos prêmios com seus curtas-metragens, e agora certamente deve decolar nos longas.

Sobre as atuações, é fácil notar o empenho dos atores em estarem fazendo sua interpretação de cada um dos personagens com amor ao que fazia, pois a cada cena era visto um empenho único na dinâmica dos personagens para que o gás fosse sempre bem pontuado, e isso foi algo bem bonito de ver, mesmo que em alguns momentos o excesso de liberdade para com os trejeitos deixassem os personagens um pouco falsos. Breno Nina entregou para seu Marlombrando um estilo meio rígido de quem sofreu muito na vida e agora com a doença da mãe colocaria tudo a desabar, mas o que vemos é uma força em tentar que tudo dê certo tanto na relação com o pai omisso, quanto em dar uma última felicidade para a mãe, o ator até que saiu bem na missão, mas poderia não ter fechado tanto a expressão nas cenas iniciais, pois a mudança de um ato para o outro é repentina demais e isso soou falso, mas no geral agrada bastante. Othon Bastos é sempre mestre no que faz, e aqui não seria diferente com o seu Almeida, que transpira o cansaço dos longos anos na função sem retorno, afinal a cultura do país cada dia mais vai sendo enterrada e o seu personagem é a prova viva disso, de modo que o ator conseguiu mostrar tanto na atuação quanto na forma do personagem ser a paixão pelo velho e a possibilidade de que o novo ande junto, muito bela sua cena no cinema do amigo. A personagem Paula interpretada por Fernanda Rocha até é interessante, mas merecia um pouco mais de atenção no desenvolvimento do roteiro, pois acaba ficando muito de escanteio, enquanto poderia ter uma função dramática mais envolvente, e a atriz se mostrou bem disposta para com isso, então foi falha de segurança do diretor. Rita Assemany aparece pouco com sua Fátima, mas nas cenas que entra, comove com expressões belas e bem interessantes, além claro de ao estar num hospital público, serve também como crítica social de abandono não só da cultura que o filme acaba criticando, mas da saúde também, afinal é mostrado o desrespeito com o povo nas macas jogadas por todo hospital, e isso comove. Os demais apenas foram colocados com função de ligação com os personagens, mas poderiam ter feito menos caras e bocas nas expressões, de modo que nenhum médico de hospital teria toda aquela forma cênica de falar com as pessoas, então faltou um pouco de preparo aqui.

No conceito visual da trama, tudo é simples, mas de um bom gosto exemplar para retratar cada elemento como deveria ser. O drive-in está destruído, e mostra bem como foram os últimos dias desses cinemas que acabaram mais como motéis do que como exibidores de filmes mesmo, as pinturas, fios e tudo mais sem ser feita há anos, os projetores funcionando sem manutenção desde os primórdios quando foram comprados, e claro passando somente filmes que conseguiam emprestados com os amigos, ou seja, algo completamente triste para quem ama a arte em si, e tenho certeza que muitos que forem ver o filme e já foram nesses locais, ou até mesmo em cinemas de rua das antigas, vai se emocionar com tudo o que verá, afinal o trabalho da equipe de arte em mostrar elemento por elemento, foi maravilhoso. A fotografia trabalhou muito com planos abertos para valorizar o ambiente, e claro que usou muita luz falsa para dar um ganho de vida nas cenas noturnas dentro do drive-in, mas isso não atrapalhou em nada, dando ainda mais charme e beleza para com as sombras, colocando o modo tradicional de cinema novamente em pauta, ou seja, tenho certeza absoluta que muitos conhecidos irão amar o que vão ver.

Enfim, é um filme muito bem feito, emocionante, comovente e que embora não seja feito para a garotada atual que só gosta de efeitos e pancadaria, vai transportar os velhos amantes de cinema às boas épocas em que iam namorar nos cinemas vendo um bom filme, e claro também servirá para aqueles que não sabem como uma película é montada e projetada numa telona, vejam e deem valor ao mérito fácil que é hoje apenas dar o play num computador. Portanto acabo recomendando o filme para todos, afinal não é sempre que o cinema brasileiro nos entrega um longa tão bem feito, que se não tivesse os pequenos defeitos que citei acima, seria algo para ver e rever infinitas vezes, mas ao menos uma se torna obrigatório, então vá aos cinemas que estão passando, pois é um filme praticamente independente, então não deve ficar muito tempo nas salas dos cinemas em exibição de cada cidade. Bem é isso pessoal, encerro aqui minha semana cinematográfica com essas estreias que vieram para cá, mas a próxima começará bem mais cedo, então abraços e até breve.


0 comentários:

Postar um comentário

Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...