Expresso do Amanhã (Snowpiercer)

8/29/2015 09:52:00 PM |

Qual elemento determina se uma ficção é boa? Uma história envolvente, disputas sociais, bons atores, diretor malucos, e até mesmo densidade cênica de espaço pequeno e bem criativo com certeza serve para demonstrar isso não é mesmo? Na opinião desse Coelho que vos digita, certamente uma combinação razoável de tudo isso, forma um filmaço, e se você concorda comigo pode correr para o cinema mais próximo que após 2 anos que foi lançado nos cinemas do mundo inteiro, finalmente "Expresso do Amanhã" chega nos cinemas do Brasil com uma quantidade até que significativa de cópias e embora trabalhe com muito simbolismo e viaje um pouco além de onde nossa mente pode permear, o diretor coreano conseguiu extrair de um elenco glamouroso, um resultado ímpar de ideologias sobre como a vida e a cadeia produtiva deve funcionar. Num workshop que fiz com Ana Maria Bahiana no ano passado ela havia comentado da beleza do filme que havia visto em 2013, e que recomendava muito para todos, mas somente hoje pude conferir ele nos cinemas, e assim como ela, com toda certeza recomendo demais para todos.

O longa nos mostra que quando um experimento para impedir o aquecimento global falha, uma nova era do gelo toma conta do planeta Terra. Os únicos sobreviventes estão a bordo de uma imensa máquina chamada Snowpiercer. Lá, os mais pobres vivem em condições terríveis, enquanto a classe rica é repleta de pessoas que se comportam como reis. Até o dia em que um dos miseráveis resolve mudar o status quo, descobrindo todos os segredos deste intrincado maquinário.

O diretor sul-coreano Joon-ho Bong é daqueles que consegue desenvolver o olhar crítico dos espectadores para situações que incomodam de certo modo, foi assim em "O Hospedeiro" e também em "Mother - A Busca Pela Verdade", e ao trabalhar bem a história do livro "Le Transperceneige", ele conseguiu nos transportar quase que para junto do personagem de Chris Evans na busca de uma vida melhor para os seus, e conforme vamos indo a fundo no percurso pelo trem, mais vamos ligando cada ponto da história e com o fechamento incrível de Ed Harris, literalmente o queixo cai e o quebra-cabeça inteiro nos é revelado de uma maneira linda e assustadora ao mesmo tempo, formato e mensagem. Alguns podem falar que o excesso de ficção é viajado demais, outros pontuar o excesso de violência, outros comentar um certo surrealismo em cima da proposta do diretor, mas a brincadeira completa que ele faz ao desenvolver cada ato com técnica e densidade dramática nos mostra que a vida é dessa forma complexa, e quanto menor o ambiente, mais difícil tudo acaba ficando, e nessa toada, o filme se desenvolve e agrada demais quem conseguir parar para pensar e ir ligando tudo o que é passado. Quanto a mão do diretor? Essa é melhor nem falar, afinal ele fez mágica com o espaço e junto da equipe de arte que vou falar mais para baixo nos entregou um espetáculo visual que apenas tendo um ou dois erros técnicos certamente será lembrado por ter feito esse longa com minúcias incríveis.

Com um elenco maravilhoso tão bem disposto para todas as cenas, o diretor nem precisou pedir tanto para eles, e conforme colocaram emoção em cada expressão suas e envolveram com símbolos clássicos da boa arte dramática, o resultado é tão interessante que há momentos em que nem sabemos para quem olhar, afinal todos estão chamando a responsabilidade da cena para si e isso é um show. Mas vamos falar um pouco dos principais atores, começando claro pelo nosso Capitão América, Chris Evans, que se não foi intencional a escolha, ele já está com o mesmo problema de Downey Jr. incorporando o personagem heroico nos demais filmes que está fazendo, pois o seu Curtis tem toda a mesma garra do Capitão e com uma liderança conturbada acaba causando também problemas com seus seguidores, mas tirando essa semelhança, aqui a violência ficou bem marcada na face do protagonista e ele soube agradar mesmo com as mãos sujas, o que ficou perfeito de ver. Um dos fatos que mais me agradou no longa, foi o fato de Kang-ho Song, mesmo que fale inglês perfeitamente, no longa o seu personagem Nam falar seu idioma original, e somente através de um tradutor simultâneo se comunicar com os demais, e os olhares malucos do ator representando estar completamente doidão com a droga que usou no filme todo, foi algo brilhante de ver no contexto total. John Hurt maquiado estava quase para um Gandalf após a guerra com seu Gilliam, mas trabalhou tão bem nas suas falas que supriu completamente com todas as expectativas, e demonstrou que ainda está bem para papéis de conselheiros. Embora só apareça no final do longa Ed Harris fez os diálogos de seu Wilford serem tão potentes e emocionantes que não tem como não vibrar com o que faz, claro que de certo modo dá um pouco de raiva e o coloca como vilão total da história, mas ainda assim é tão bem explicado os motivos, que acabamos concordando com ele, e isso é algo perfeito, que com toda calma possível o ator sussurrou cada palavra com uma atuação impecável. Tilda Swinton mais uma vez nos mostra o porquê é uma das atrizes que mais consegue surpreender com seus papéis diferentes, pois sua Mason é daquelas que não entram para simplificar, mas jogando todas as fichas e expressões para um nível além do padrão, beira um brilhantismo único e vivencial, sua cena que tira os dentes é algo terrível e forte que não tem como não se agradar com o simbolismo mostrado, ou seja, perfeita também no que fez. Jamie Bell e Octavia Spencer até agradam bastante com suas interpretações de Edgar e Tanya, mas são secundários frente aos demais, embora tenham uma boa quantidade de diálogos com os protagonistas e conseguem de certa maneira serem subjetivos sem estragar o resultado, e principalmente nos momentos que precisaram chamar a responsabilidade para si, fizeram bem feito. E sem mais enrolações, vou falar apenas da outra coreana do elenco Ah-sung Ko que a cada cena que arregalava o olhão de sua Yona, sabíamos que a coisa ia ficar preta, ou seja, a atriz mandou bem também na representatividade.

Agora o ponto chave da trama, a direção de arte e o trabalho magnífico que fez em cada vagão, lotando de elementos cênicos para onde quer que olhássemos víamos algo que serviria para referenciar toda a simbologia da história, e ainda foram completamente sábios em montar cada cenário nas proporções do trem, para que os atores ficassem realmente apertados como sardinha em lata, e tudo acontecesse sem ser desproporcional, e com isso acabamos viajando e prendendo a respiração junto com cada ato. Literalmente um show visual, que dificilmente veremos outro tão cedo, tendo de destacar desde o último vagão aonde a população pobre vivia suja e jogada às traças para sobreviver apenas com uma barra proteica, passando pelo belíssimo vagão da floresta, o da escola, o da festa, e por aí vai, mostrando um trabalho de pesquisa e mais do que isso, uma vivência clara de simbolismos que poucos fariam, além claro de todo o visual fora do trem que quando mostrado era para assustar mesmo. A direção de fotografia soube brincar com tudo o que a arte lhe deixou no meio do caminho, usando a escuridão dos túneis para que as cenas mais densas ocorressem, depois usando o fogo para iluminar e até mesmo apelando para visão noturna para dar uma diferenciada na trama, ou seja, não seguiram nenhum manual e largaram de lado qualquer cliché que o filme pudesse usar, transformando tudo em algo novo e gostoso de ver, trabalhando com todos os tons possíveis para representar cada coisa e uma precisão cirúrgica para que tudo se conectasse e agradasse na medida certa.

Enfim, falei muito, e sei que vocês já devem estar me xingando por dar até alguns spoilers no texto, mas é um filme tocante, que quem gosta de um bom suspense que ao final amarra todas as pontas e nos deixa de queixo caído com toda a história certamente irá gostar muito. Claro que como é um filme que possui muita ação, também temos alguns furos de roteiro, principalmente na cena final no figurino da criança, mas isso é um mero detalhe que não atrapalha a beleza completa que foi todo o restante. Portanto não darei a nota máxima por esses furos, que nem vou enumerar, pois a maioria vai acabar virando spoiler, mas quem quiser discutir eles, mande e-mail, que eu respondo. Mas que o longa certamente valeria um 9,8 se eu desse notas quebradas, com certeza valeria. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas volto amanhã com o longa que verei ainda no final do dia de hoje, então abraços e até breve.


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