Hoje

3/15/2015 09:01:00 PM |

Que o período da ditadura foi algo que marcou o país não é necessário muito o que falar, afinal a maioria estudou isso nas escolas, pelo menos espero, mas o que pouco sabemos é sobre a influência de traumas na cabeça das pessoas, como isso acaba se desenvolvendo. Aliado a tentativa de mostrar como a mente desenvolve uma certa culpa por estar recebendo um dinheiro pelo desaparecimento de seu marido, o filme "Hoje" nos instiga a pensar o quanto foi sofrível as torturas que muitos sofreram na época e até onde isso justifica a retratação através de dinheiro anos após. E se ampliarmos a discussão podemos pensar em outros estilos de retratação que acabam existindo por aí para "minimizar" o sentimento de culpa, ou seja, o filme teria milhares de maneira de trabalhar esses problemas e também a mente das pessoas, mas optou por ser menos abrangente e de certa forma foi interessante e envolvente, falarei abaixo de alguns problemas técnicos, mas o filme no geral vale a pena ser visto.

O filme nos mostra que uma ex-militante política recebe indenização do governo brasileiro pelo desaparecimento do marido, vítima da repressão desencadeada pela ditadura militar brasileira (1964-1985). Com o dinheiro, ela pôde comprar o tão sonhado apartamento próprio e libertar-se desta condição de suspensão em que viveu durante décadas, período em que não era sequer reconhecida oficialmente como viúva. No momento da mudança para o novo lar, seu marido volta. O encontro entre os dois, repleto de emoções, obriga Vera a rever toda sua trajetória.

O roteiro foi todo trabalhado em nuances de recortes, e mesmo sendo um filme bem linear, a todo momento nos vemos parando para pensar no que está acontecendo ali, e isso mostra a força do filme, pois como digo há filmes que você vê uma vez só e já consegue falar a história completamente talvez até com menos de 2 cenas, e outros você irá rever, achar pontos e mais pontos para ser trabalhado e ainda assim terá dúvida de se é isso mesmo que você achou. E embora seja um longa de 2011, que estreou comercialmente em 2013, mas somente agora consegui ver ele na Mostra, o recado que os roteiristas nos passam é algo muito atual e interessante de ser pensado sobre o que é bom ser retratado ou como isso deve ser feito. E a diretora Tatá Amaral foi certeira no ponto de não entregar respostas rápidas, mas sim ir com calma trabalhando um filme com nuances leves e pontuais, claro que em certos momentos a lentidão e planos estáticos sem fala alguma cansam, mas no geral o resultado do trabalho inteiro é bem satisfatório e envolvente.

Sobre a atuação, falar de Denise Fraga é algo quase que sempre repetitivo, já que é uma das poucas atrizes nacionais que se entregam totalmente para um papel, desenvolvendo semblantes, expressões e incorporando os diálogos que lhe são entregues de uma maneira única e que dá para vivenciar totalmente, e aqui não seria diferente com o que nos mostra, sempre emocionando e trabalhando cada cena com o que seria mais acertado para o momento, e assim dando um show em todas as cenas. César Troncoso é uruguaio, mas vive há bastante tempo no Brasil, porém ainda tem uma dicção do português péssima, e sem legendagem temos quase que descobrir o que ele falava no filme, pode ser problema técnico da mostra, mas mesmo que o volume fosse aumentado, ainda assim não falamos portunhol, ou seja, o ator pode ser muito bom que já vimos em outros filmes, mas ou legendam ele ou melhora a forma de expressar para se tornar entendível. Os demais atores apenas participam, aparecendo em determinadas cenas, o entregador João Baldasserini até cabe bem o personagem para mostrar a simbologia de que a personagem ainda se tortura com sexo desenfreado, mas o personagem da síndica Lorena Lobato embora chato demais por tudo que fala, não vi colocação inteligente nas propostas dela em relação ao filme.

Embora o longa fique preso somente no apartamento, temos diversas simbologias com cada elemento colocado em evidência, seja na torneira pingando sem concerto, nas janelas parcialmente cerradas ou tapada por jornais, os móveis chegando sem identificação indo para qualquer lugar ou num cantinho, e por aí vai, com isso o trabalho de Vera Hamburger é evidenciado e trabalhado para que o filme crie vida além dos personagens, e junto das projeções cenográficas incríveis deram uma concepção diferenciada para duas cenas bem trabalhadas. A fotografia utilizou o tom escuro exagerado demais, mas que contrabalanceou bem com as sombras que criaram, mas funcionaria da mesma forma e até seria mais bonito um tom acima de luz nas cenas menos densas, mas isso é opinião de quem não curte filmes escuros demais sem um propósito claro, e aqui não tinha essa necessidade, mas aceito o pensamento da diretora em talvez ocultar fatos.

Bem é isso, um filme bem feito, com uma proposta clara e desenvolvida corretamente, talvez com alguns ajustes seria mais impecável ainda e agradaria mais ainda. Sei também que hoje na Mostra Golpe Sulamericano tivemos muitos problemas com a exibição do longa, e talvez sem esses erros veríamos um filme muito melhor também. Mas juntando os dois contextos, retirando algumas vírgulas, o resultado foi que o longa ganhou diversos prêmios em diversos festivais merecidamente, e dessa forma não tem como não recomendar ele para quem goste tanto de estudar a mente de pessoas pós-traumas e também como um período ruim no país pode ter influenciado a vida de diversas outras pessoas. Claro que já deixo a ressalva de que há diversos momentos lentos demais no filme e isso com certeza para quem não é acostumado com filmes mais calmos é capaz do sono evidenciar, mas vale o esforço para ver ele inteiro. Fico por aqui hoje, mas volto na terça com outro filme da Mostra, então abraços e até breve pessoal.


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