Uma Vida Comum (Still Life)

5/21/2015 01:33:00 AM |

É difícil descrever o sentimento de perda de um ente da família, mas e quando essa pessoa vive sozinha e não tem nada, ou praticamente nada que identifique algum familiar ou amigo, ou alguém mais próximo do morto, por exemplo vamos dizer que você se mude para um país para algum estilo de curso, mas saia brigado com as pessoas daqui, de forma que ninguém mais daqui entrasse em contato com você, e lá você morra dormindo e só descubram seu cadáver depois de alguns dias! Assustador não é mesmo! Pois bem, em alguns países existem pessoas, ou até mesmo órgãos governamentais que saem à caça de pessoas próximas, seja para pagar as custas do enterro, ou como no caso do longa "Uma Vida Comum", atrás de alguém que gostasse dessa pessoa para dar apenas um último adeus para o morto. São raros os longas que tratam dessa temática, aliás eu não lembro de nenhum outro assim, e a beleza do roteiro e da condução da direção é tão envolvente e cheia de nuances bem colocadas, que já tínhamos um filme sensacional até os primeiros 90 minutos de duração, mas os 6 que finalizam de uma forma completamente inesperada e o último minuto do longa foram para colocar ele num seleto lugar de perfeição emotiva.

A história nos mostra que obcecado por organização e meticuloso ao extremo, John May é um inventariante encarregado de encontrar o parente mais próximo de pessoas que morreram sozinhas. Sua vida é seu trabalho, e ele dedica mais esforços do que o necessário para descobrir sobre a vida de seus clientes e dar-lhes um bom funeral. Porém, sua rotina muda quando descobre que perderá o emprego. Ele pede um tempo a seu chefe para resolver o último caso em que trabalhava, o de Billy Stoker. Essa última investigação o leva a uma viagem libertadora que lhe permite finalmente começar a viver a sua vida.

O que o diretor e roteirista italiano Uberto Pasolini faz com seu filme é algo inexplicável, pois tudo anda de uma maneira bem comum durante o filme todo, assim como no título nacional e até fica bem interessante a insistência e persistência do protagonista em querer que seu último trabalho seja feito de maneira exemplar, já que a maioria de todos os seus defuntos foram enterrados somente com ele no funeral. E contando com um estilo investigativo bem moldado, o filme desenrola, com situações engraçadas, outras mais tensas, mas sem muito o que fugir da dinâmica, porém diferente do que costuma ocorrer na maioria dos longas de entregar um clímax no miolo da trama para depois desenvolvê-lo, o diretor opta por fechar o filme com o clímax, o que para o estilo de longa que estávamos saboreando, é algo completamente inusitado, com certeza em outros gêneros isso funcionaria até de forma melhor, mas num drama com pitadas cômicas, essa irreverência poderia fazer de seu longa uma bomba desastrosa, mas felizmente foi um dos acertos mais corretos que acho ter visto numa produção europeia, e assim posso garantir com certeza que quero ver mais obras desse diretor, que por enquanto só tem outro longa além desse.

Sobre a atuação podemos dizer com 100% de certeza que o filme é de Eddie Marsan, pois ele deu uma interpretação completamente própria para John May, trabalhando suas emoções, olhares e até a personificação metódica da vida do personagem só conseguimos enxergar ele, muito disso se deve a uma boa direção de atores, mas ele deu uma boa parcela de si para que não tivéssemos apenas um tiozinho que sai atrás de pessoas, ou um talvez um policial investigativo que funcionaria também, mas alguém mais humano e interessante para que o público se envolvesse, e assim, o acerto foi total, que deu ao ator alguns prêmios bem interessantes. Embora entre somente no finalzinho, Joanne Froggatt serviu bem na personificação da mudança do protagonista com sua Kelly, e a atriz fez bons semblantes e trabalhou seus diálogos com o protagonista de uma forma bonita de se acompanhar, garantindo que se fosse um longa tradicionalíssimo veríamos ainda uma bela história de amor entre os dois. Dos demais, temos pontuais atores coadjuvantes que incrementam cada cena, não tendo um destaque em si para cada um, mas deixo claro que todos que ele aborda possuem boas histórias para com o morto e suas expressões são bem interessantes.

Do conceito artístico não temos nada exuberante que marque o filme como algo que renove um estilo ou nos faça prestar atenção em algum detalhe cênico, mas todo o conceito de trabalhar com o fator morte já é algo que desde os primórdios instigam os artistas com a famosa natureza morta, e o longa soube trabalhar com essas situações por onde o protagonista vai, desde o seu próprio prédio, seu apartamento, sua saletinha organizada, mas sempre em tons fúnebres e sem vida, o que faz com que mesmo nos momentos mais engraçados da trama, sempre a pontinha mais mórbida fica no ar visualmente, mas claro que o segundo ato, aonde o protagonista faz as viagens para encontrar parentes e amigos do morto são extremamente bem trabalhados na concepção da direção de arte para com as locações, de modo que tudo ali tem algum bom significado para a trama. A direção de fotografia foi bem simplista ao usar alguns ângulos tradicionais e não inventar moda com filtros, mas o tom leve que procurou sempre usar e alguns movimentos mais sutis acabaram dando um envolvimento maior na trama, e claro que sempre mantendo o foco no protagonista para que como já disse, ficássemos íntimos dele.

Enfim, nem posso falar muito do filme senão acabaria estragando contando algo que fosse muito importante, mas espero ter passado toda a emoção e a forma que o longa me agradou. E dessa forma recomendo demais ele para todos que ainda não viram, afinal o longa é de 2013, e foi exibido em poucos cinemas no meio de 2014, ou seja, já deve ter para alugar ou para quem for das cidades que estão sediando a Itinerância do Festival Sesc Melhores Filmes não perca por nada esse filme que vale a pena demais. Claro que o filme vai comover alguns mais que outros, mas posso garantir que dificilmente alguém falará mal do contexto geral apresentado. E como disse no Facebook, sei que o Festival vai passar alguns longas que já vi e dei notas altas, mas dos que ainda não havia conferido, acho difícil outro que me agrade tanto, portanto já irei classificar ele como o melhor do Festival na minha humilde opinião. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas nesta quinta ainda verei mais dois longas do Festival que não foram lançados na cidade, então abraços e até amanhã cedo com mais opiniões.


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