Benzinho

10/02/2018 01:43:00 AM |

Sabe aquele filme que você sente mais do que assiste, que mesmo não sendo uma mãe consegue enxergar tudo o que a pessoa está sentindo só pela expressividade passada perfeitamente por um ator? Pois bem, esse filme se chama "Benzinho", e está em cartaz pelo projeto Cinema de Arte em algumas cidades, e tente ver se possível, pois é daqueles longas que sabem trabalhar o conteúdo dentro de uma situação que vai além do imaginado, construindo fortes nuances sobre todos os tipos de mudança numa vida, desde a conquista de um diploma, passando pela mudança de residência, de riquezas monetárias, de brigas na família, e o principal, a mudança dentro do crescimento dos filhos, mudando inclusive de país, ou seja, uma dramatização complexa de sentimentos, que nos faz refletir, e viajar junto com tudo o que conseguem nos passar, sendo praticamente uma delícia conferir cada ato e incorporar os momentos juntos da protagonista. Diria que muitos até enxergarão o filme como algo novelesco demais, mas a proposta flui de uma maneira tão coesa nas subtramas, que praticamente nem sai do eixo principal, e assim sendo, o filme desabrocha em nossas mentes de uma maneira tão gostosa que não tem como não sair sorrindo emocionado com tudo o que vemos na telona.

A sinopse nos conta que o primogênito de uma família de classe média é convidado para jogar handebol na Alemanha e lança sua mãe em uma espiral de sentimentos pois, além de ajudar a problemática irmã, lidar com as instabilidades do marido e se desdobrar para dar atenção aos seus outros filhos, ela terá de enfrentar sua partida antes de estar preparada para tal.

O diretor Gustavo Pizzi soube dosar bem cada ato para que nada ficasse forçado, de modo que seu roteiro junto da atriz protagonista e sua esposa, Karine Teles, foi esmiuçado para realçar todos os sentimentos possíveis para uma mãe vendo acontecer praticamente em 20 dias tudo o que seria o caos no seu pequeno mundo, e com isso é inegável não sentir nada durante os deliciosos 95 minutos que nos proporcionam, de modo que o diretor trabalhou ângulos mais fechados para dar sentimento de tristeza, mas usando do artifício mais lindo que as mães sabem fazer, que é procurar ocultar o que está sentindo para que seus filhos, nem ninguém as vejam chorando por eles, se mostrando forte enquanto pode, indo buscar sua independência, tentando criar virtudes, e tudo mais, mas que por dentro está estilhaçada, cansada, fraca e dependendo de um abraço ao menos bem apertado, e isso é visto a cada nuance por parte da grandiosa técnica que ele soube fazer. Repito, o filme tem todos os quesitos preenchidos para ser uma novelona imensa, mas felizmente é revertido para ângulos tão bem propostos que acabamos vendo realmente um bom exemplar de drama familiar, que foge de clichês e consegue atingir cada um de uma forma, mas que mesmo que faça chorar em algum momento junto da protagonista, o sorriso de dever cumprido será transmitido até que o próximo filho chegue à maioridade e todo o fluxo ocorra novamente.

Sobre as atuações é inegável que Karine Teles mereceria todas as premiações possíveis e imaginárias para suas expressões perfeitas, e por enquanto só veio o Kikito de Gramado, mas deve vir mais com toda certeza, pois conseguimos sentir cada momento de sua Irene só com seus olhares e trejeitos, de tal forma que nem precisaria dizer nada, mas ainda por cima foi incrível nas pontuações de seus diálogos e arrebata cada um por seus atos, ou seja, não conseguimos sequer imaginar outra pessoa ali a não ser ela. Estamos tão acostumados a ver Otávio Müller fazendo comédia e sendo na maioria das vezes bobo, que aqui entregando um personagem dramático com seu Klaus ele foi na medida certa para o papel que necessitava de alguém comum com ares sonhadores e que comumente veríamos entre nós, e com muita sutileza ele nos entregou um personagem humano e completamente dentro do cerne de alguém a beira do desespero também, ou seja, acho que ele deveria investir mais em personagens dramáticos, pois o acerto foi bem maior do que quando faz comédia. Adriana Esteves também entregou uma personalidade incrível para sua Sônia, de tal maneira que ficamos no começo até achando que ela é um personagem demais inserido na proposta da trama, mas com o andar do longa vemos que ela é mais um peso para a protagonista, e a atriz ainda consegue ter nuances interpretativas tão boas que acaba fluindo dentro da proposta, de tal forma que também arrebatou um Kikito de coadjuvante, e não por menos, afinal foi bem também. O jovem Konstantinos Sarris (sim, ele nasceu na Grécia para ter um nome desse!) soube ser coeso nas atitudes, e teve todo tipo de sensações que os jovens costumam passar para os pais em seus diversos momentos do longa, desde o impacto desenfreado, as brigas, as conciliações, e claro também o amor, de tal maneira que foi bem colocado e mostrou que é bem expressivo quando lhe solicitam, e certamente terá um grande futuro como ator, pois aqui já demonstrou carisma para o personagem de Fernando, e fez com que funcionasse o que o longa necessitava. Quanto aos demais, posso dizer sem hesitar que deram seu máximo e foram completamente bem encaixados, desde os gêmeos, filhos reais da protagonista com o diretor, Arthur Teles Pizzi e Francisco Teles Pizzi que souberam ser graciosos e dinâmicos, o sobrinho da protagonista Luan Teles, que aqui faz seu filho do meio, Rodrigo, acabou sendo o ar de despejo como costuma ocorrer em grandes famílias, e até mesmo o uruguaio César Troncoso conseguiu entregar rapidamente muita personalidade com seu Alan, ou seja, uma equipe completa que ainda teve uma rápida participação de Mateus Solano como o técnico Paçoca.

No conceito visual a trama brincou com o ar de uma casa também em conflito, que já desde a primeira cena já demonstra estar pronta para atacar também a protagonista com a tranca já não funcionando, com rachaduras prontas para desmoronar a cada momento, com uma segunda casa que não consegue se estruturar nunca, com uma casa de praia praticamente abandonada, mas que guarda objetos que trazem boas e más lembranças para a protagonista, ou seja, tudo com muita simbologia, e até mesmo no carrinho de vendas conseguimos encaixar detalhes para uma vida que não pode parar, com ela estudando, se formando e tudo mais. E com tantos elementos cênicos, a equipe de arte juntou cada pedacinho em nossa mente, entregando peça por peça para que fôssemos montando a vida destroçada que a protagonista está vivendo, e com isso sentirmos o mesmo que ela, e refletíssemos juntos para que cada ato fosse além. A fotografia foi coesa em não dar tons fortes, mas sempre brincando com os momentos felizes cheios de brilho, mas sempre com a pontada de que tudo pode desmoronar, aonde os tons mais escuros do filme procuravam o domínio, mas sempre também com aquele ar de que pode melhorar, vindo a luz no fim do túnel que resulta em um ato melhor que o outro.

Enfim, um filme incrível que todos devem conferir por inúmeros motivos, mas os principais são para falar que o Brasil não sabe fazer bons filmes (o que mais vejo por aqui), e para refletirmos melhor o papel da mãe, afinal o longa soube muito bem demonstrar o conflito que muitas acabam tendo, e quase sempre, não passam de estarem estourando por dentro. Só não irei dar nota máxima para o filme, por achar que poderiam ter desenvolvido mais o pós do longa, com um pouco mais da vida da mãe após a partida do filho, e menos a vida da irmã, pois aí sim o conflito focado seria melhor formatado, mas isso é apenas uma opinião bem pessoal, pois no conceito técnico o longa é perfeito. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com a última estreia da semana, então abraços e até logo mais.

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