De Onde Eu Te Vejo

4/09/2016 07:56:00 PM |

Quando falamos que as produções nacionais estão melhorando, muitos viram a cara e não acreditam, falando que o Brasil só faz novelas e filmes grosseiros. Pois bem, concordei muito tempo com isso, pois tivemos uma época negra, mas ultimamente o pessoal anda se preocupando bastante com enredo, qualidade e também com o estilo dos filmes, para que essa mentalidade acabe desaparecendo gradualmente. E se existia um gênero que incomodava demais quando ia ao cinema ver um longa nacional era a tal das comédias românticas, pois a maioria delas recaiam para o ar novelesco, lotado de subtramas e que chegavam a cansar, bem longe das francesas, que posso com toda certeza afirmar ser as mais gostosas de assistir, e eis que hoje ao assistir "De Onde Eu Te Vejo", todas as sensações gostosas que costumo sentir ao ver uma comédia francesa, senti com a produção nacional, ou seja, emoção, diversão sem apelação, boa dose de humor e drama envolvido sem apelação visual ou sentimental, tudo colocado na medida exata para que a tonalidade da trama fosse sutil e gostosa de assistir. Ou seja, finalmente após muitos anos reclamando da alta apelação no gênero, finalmente posso dizer que alguém aprendeu bem a lição e entregou um filme delicioso de acompanhar do começo ao fim, que vai fazer o público questionar sobre relacionamentos e sentimentos, e claro, tudo isso acompanhado de ótimas atuações.

O longa conta a história de amor de um casal através de sua separação. Em meio a uma São Paulo em constante mudança e efervescência cultural, Ana Lúcia e Fábio se separam após 20 anos de casamento e ele passa a viver no apartamento do outro lado da rua. Eles terão que aprender a viver a nova realidade – a separação, a crise no trabalho e a mudança de cidade da filha – e perceberão que no meio da confusão da vida moderna é possível reinventar uma nova forma de amar.

É interessante observar a ótima história criada pelo diretor Luiz Villaça, que desenvolvida por outros dois roteiristas, Rafael Gomes e Leonardo Moreira, voltou para suas mãos para que ele fizesse uma direção impecável, trabalhando bem tanto o movimento de câmera como a forma narrativa, que por horas coloca Denise Fraga conversando conosco e mostrando os pontos favoráveis e suas dúvidas em relação ao que anda acontecendo com seu relacionamento. E sem que precisasse gritar na nossa cara, os detalhes da história vão acontecendo e fluindo numa velocidade gostosa de acompanhar, quase que como o trânsito de São Paulo, aonde vivem os personagens, e que as vezes anda rápido dando uma aliviada, outras vezes empaca e fica tenso, e dessa mesma maneira o longa acaba sendo subjetivo com a relação amorosa dos protagonistas que vão se descobrindo, e o diretor que geralmente trabalha junto de sua esposa (juntos também há mais de duas décadas) conseguiu em parceria do elenco criar algo que poucas vezes vimos em um cinema (ainda mais dentro dos nacionais), que é o público rindo na sala com sutilezas, e se divertindo sem que o protagonista gritasse algum palavrão ofensivo ou tomasse uma torta na cara, ou ainda mais precisasse contar uma piada para que isso acontecesse, ou seja, a situação acabou sendo cômica por natureza, e a ótima junção técnica com atuação impecável fez a trama se tornar agradabilíssima.

Já que comecei a falar das ótimas atuações, vamos elogiar com certeza quem merece, pois Denise Fraga é daquelas atrizes que paramos para ouvir e com pouco tempo de seu discurso ela consegue fazer com que o público quase vire um amigo e passe a entender as paranoias energéticas de sua Ana Lúcia, que trabalhou fazendo as expressões inteligentes e gostosas de ver, incorporando poucos trejeitos, mas se expressando completamente com o texto que lhe foi entregue e muito bem desenvolvido, ou seja, a atriz coloca toda sua desenvoltura expressiva nos atos e no discurso, e usando esse último recurso faz um fechamento de quase lavar a sala, mostrando que era a mais perfeita escolha para o papel. Domingos Montagner também não deixou barato e colocou tanta personalidade em seu Fábio, que é impossível não nos conectarmos à sua postura e ter os mesmos anseios durante a projeção, e mostrando uma desenvoltura correta para emocionar, o ator mostrou os motivos principais que fazem um homem chorar e com isso comover a plateia, ou seja, um trabalho magnífico também. Outra boa atriz foi a jovem Manoela Aliperti que trabalhou mais as sacadas do texto em referência ao que foi estudar, para explicar sempre para a mãe conexões biológicas com o relacionamento dos pais, e sempre fazendo carões e trejeitos clássicos dos jovens atuais, a garota mostrou muito bem que não estava ali na sala apenas para uma figuração e agradou bastante em todas suas cenas. Marisa Orth também foi bem interessante de ver nas poucas cenas de sua Olga, agradando ao mostrar a loucura que acaba acontecendo na vida de uma pessoa com as mudanças, e a atriz que sempre possui altos trejeitos cômicos, procurou mostrar um lado mais fechado e que poucas vezes mostra. Agora sabedoria de texto, aliada a ótima escolha ficou a cargo do papel de Laura Cardoso com sua Yolanda, pois basicamente ela explicou toda a história usando o relacionamento dos canários como base, e ambientada num casarão incrível, a atriz mostrou nuances vocais tão sábias que poderia ler a lista telefônica inteira para o público que todos iriam prestar atenção no que ela estaria dizendo. Embora apareça apenas em uma cena, tenho de dar um leve destaque para o papel de Juca Oliveira, que ao explicar seu amor pelo cinema e por tudo o que ocorreu com ele ali naquele cinema de rua, foi algo lindo demais de ser visto, então embora seja algo bem simples dentro da trama inteira, vale o destaque.

Sobre o conceito visual da trama, tanto o design dos apartamentos ficaram bem montados para dar a ótima perspetiva de câmera, que a equipe só teve de ter o bom gosto de colocar elementos tradicionais das casas dos paulistanos e simbolizar bem a vida do casal ali, mas o grande destaque da equipe artística foi desenvolver o texto todo trabalhado nas demais locações como no metrô e nos casarões antigos da cidade, aonde pudemos junto com a protagonista conhecer mais detalhes da vida e ir se envolvendo com a trama, ou seja, um trabalho magistral de pesquisa para que cada locação tivesse sentido e representasse bem o momento do texto, coisa que poucas vezes vemos num filme, sem que ele seja bem trabalhado para isso. A fotografia da trama embora não seja algo com recursos impressionantes, soube dosar estilo clássico de filmagem com muita movimentação, usando cores de fundo das locações para realçar o sentimento de cada cena, e claramente o meu destaque para isso volta ao casarão de dona Yolanda com seus pássaros, aonde o tom avermelhado junto com todos os animais deram um charme tão simbólico para o momento da cena, que não tem como não ficar pensando em tudo o que é dito naquele momento.

Enfim, junte tudo isso que disse, com ótimas escolhas musicais, e um final completamente inesperado dentro do sentido comum que veríamos em um filme do estilo que não tem como não sair vibrando com o resultado maravilhoso da trama. E dito tudo isso tenho com toda certeza honra em indicar o longa para todos que gostam do gênero e dizer que não ficou devendo em nada para os franceses que são mestres nesse estilo. E sendo assim, talvez até possa ter encontrado um ou outro defeito que me fizesse dar uma nota menor para o longa, mas como supriu em todo o restante com magistral coerência, eu não poderia ser incoerente em dar uma outra nota para a trama simples, bem feita e que agradará certamente a todos que forem conferir. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com a última estreia dessa semana, então abraços e até breve.

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