Vidas Partidas

8/09/2016 01:32:00 AM |

Acho interessante quando um filme nacional consegue fugir dos entremeios novelescos para criar um drama que funcione bem no cinema, e "Vidas Partidas" embora pareça monótono pelo trailer e trabalhe com um tema que muitos até evitam por achar jornalístico demais, acaba destoando bem do fraquejo tradicional e acaba até agradando de certa forma. É claro que o longa não forçou nem metade do que sabemos que muitas mulheres sofrem nas mãos de "homens" que as agridem e por muitas vezes acabam com suas vidas, e também fica claro que a trama não desejou criar um vértice policial mais envolvente que criasse perspectivas mais elaboradas, porém o resultado da forma dramática que optaram por mostrar acaba fluindo bem, e o público que for conferir (digo isso na teoria que imagino, pois na minha sessão só havia eu novamente, não tendo como analisar outras reações) certamente irá torcer por algo mais justo ali e sairá da sessão também torcendo para que outros casos do estilo tenham sucesso, pois como sabemos bem, são poucas as mulheres que possuem coragem para denunciar atos violentos em suas residências, e no filme vemos que por bem pouco a protagonista não foi a fundo também.

Na história, Graça e Raul são um casal apaixonado que vive cenas românticas capazes de acabar com quaisquer dúvidas sobre seu amor. Porém, como na maioria dos casos de violência, o problema está escondido atrás dessa falsa felicidade. Graça é uma biomédica bem-sucedida, mãe de duas filhas, vítima de um crime de violência doméstica no Brasil dos anos 80. Raul, seu marido, é um homem sedutor que, por ciúme, transforma-se em algoz. A relação ardente e passional entre o casal começa a desmoronar quando ele fica desempregado enquanto ela avança em sua carreira. Preocupada com a situação, ela pede ajuda ao ex-marido, que, secretamente, indica Raul a uma vaga de professor na Universidade. Quando Raul começa a se reerguer financeiramente e se igualar à mulher, ele descobre de onde veio o emprego, o que o torna gradativamente agressivo. As cenas de ciúmes são frequentes e começam as agressões físicas e psicológicas.

O diretor Marcos Schechtman é mais conhecido pelas grandes novelas que fez, e esse sem dúvida alguma era o meu maior medo, de que ele transformasse a história em uma novela arrastada e chata de acompanhar em seu primeiro longa-metragem, mas diferente disso, ele acabou trabalhando bem a forma interpretativa dos atores, deixando que a história em si fosse contada mais pelo roteiro (que possui um grande arco para ser desenvolvido) do que por suas próprias mãos, e assim sendo o resultado se forma de maneira crível e bem dinamizada, ainda que o filme pudesse ter veios mais impactantes e chocantes para que o filme se voltasse mais para o lado policial que está inserido bem levemente dentro da trama. Ou seja, o filme flui bem pelas forma que optaram em fazê-lo, mas ficou um pouco travado no meio da discussão sobre quais rumos seguir, pois facilmente poderia ir por três rumos completamente diferentes que ainda agradaria (um lado mais romantizado, mesmo que de maneira violenta, afinal temos muitas mulheres que mesmo sofrendo diversas agressões ainda amam seus parceiros mais do que suas próprias vidas, outro indo para um rumo policial mais dramatizado aonde teríamos investigações rumando para todos os lados, o qual particularmente me agradaria bem mais, e o terceiro aonde veríamos os veios psicológicos de motivos para o cara ser assim, que alguns até gostariam, mas seria o mais fraco dos três). Ou seja, já falei isso diversas vezes aqui, e se você que me lê algum dia for dirigir um longa, não fique na dúvida de que rumo seguir caso tenha mais do que uma opção, siga uma e seja feliz, pois a dúvida vai estragar pelo menos parcialmente seu filme.

Sobre as atuações, basicamente temos de dar valor para a performance de Domingos Montagner, pois seu Raul realmente precisou de muita coragem expressiva por parte do ator, já que necessitou bater na mulher, humilhar a filha e ainda ser agressivo em outras cenas, virando quase um cordeirinho quando o julgavam culpado, ou seja, diversas nuances para que ele não errasse na dosagem certa para chamar atenção e ainda ter credibilidade, ou seja, um trabalho incrível de ver, que beirou o limite para acabar errando. Não conhecia a atriz Naura Schneider, mas posso dizer que sua Graça demonstrou bem as expressões que muitas mulheres que sofrem abusos acabam fazendo, porém poderia ter trabalhado alguns momentos de forma mais impactante, claro que se o diretor lhe pedisse também, mas aí é que entra também a economia, pois a atriz já era a produtora do longa e poderia facilmente ter contratado ou indicado alguma outra atriz melhor para o papel, mas como bem sabemos no Brasil a economia as vezes ajuda e em outras atrapalha, e aqui senti falta de um rosto mais forte. Dos demais atores, grandes atores fizeram pequenas participações e não chamaram tanta atenção para suas cenas, como aconteceu com Milhem Cortaz, Augusto Madeira, Nelson Freitas e até Jonas Bloch, e com isso vale a pena destacar apenas as expressões de medo de Georgina Castro com sua Nice, que claro acabou falando bem pouco, mas com seus olhares disse muito e saiu positiva com o que fez.

O trabalho da equipe de arte foi bem elaborado para situar o longa nos anos 80 com figurinos, carros, e até mesmo na decoração da casa, pois quem viveu nessa época irá reconhecer bem os detalhes cênicos e com certeza não irá reclamar de nada nesse quesito, porém ao remontar as duas versões do crime, abusaram para algo errôneo nem tanto pela direção de arte, mas por abusar que alguém (no caso a mulher) veria tudo bonitinho como é mostrado no depoimento dela no tribunal, e isso acaba sendo uma falha até grave demais de ser mostrada com tantos detalhes, porém como a linhagem do diretor é de novelas, seria impossível que ele deixasse a ideia aberta para que o público criasse a perspectiva total, e sendo assim, a arte foi precisa, mas desnecessária no conteúdo de detalhes. Sobre a fotografia, souberam dosar em tons mais escuros para dar claro a dramaticidade e ousaram bastante na iluminação de preenchimento, afinal gostaram de fazer diversos planos vistos de cima, e nesse ângulo, o trabalho da fotografia sempre é algo bacana de ver, pois qualquer erro aparece demais, ou seja, poderiam facilitar, mas não daria a ótima nuance que conseguiram criar.

Enfim, é um filme bem feito, que poderia ser muito melhor se fosse por um outro rumo como falei acima, mas longe dos erros a trama agrada e trabalha bem com um tema de difícil aceitação pela sociedade. Portanto veja sem preconceitos e analise mais o longa trabalhando ele com um viés mais politizado dentro da nossa cultura, pois como filme é capaz que quem quiser uma diversão menos rigorosa vai acabar reclamando, e sendo assim fica minha indicação e recomendação para quem for assistir. Fico por aqui encerrando essa semana cinematográfica, mas volto na próxima quinta com mais estreias, então abraços e até lá pessoal.

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