Meninos de Kichute

6/07/2014 12:29:00 AM |

É engraçado como funciona o mercado cinematográfico brasileiro, pois um filme produzido em 2009 e exibido em alguns festivais em 2010, conseguir entrar em circuito comercial somente 5 anos depois não dá para conseguir entender, e olha que embora "Meninos de Kichute" tenha alguns defeitos, está bem longe de ser um filme ruim, muito pelo contrário, com todo um ar saudosista dos anos em que as crianças brincavam com outras crianças, corriam nas ruas e almejavam sonhos palpáveis, ao invés de ficarem enfurnadas em joguinhos eletrônicos, o filme conseguiu trabalhar bem com os personagens infantis de forma a criar todo um contexto de época e ainda explicar alguns fatores esportivos que muitos, eu ao menos, desconheciam.

O filme acompanha a vida de Beto, um menino de 12 anos, filho do meio de uma família simples, moradora de um bairro operário do Brasil. O sonho de Beto é se tornar goleiro da seleção brasileira de futebol. Entretanto, o menino encontrará alguns obstáculos para realizar seu sonho, sendo o primeiro deles o radicalismo de seu pai, Lázaro, que acredita que competição é pecado. Mas Beto é insistente e não vai desistir de tentar alcançar seu sonho, além disso, ele terá a ajuda da vizinha Dona Leonor.

Embora o roteiro do filme seja bem simples, a história que foi baseada no livro homônimo de Márcio Américo, que também ajudou a roteirizar sua história com o diretor Lucas Amberg é contada sob a visão da pobreza que muitos conhecem e sabem que tudo é difícil, e com a imposição da religião, sabemos que tudo fica ainda pior na vida de uma criança. Se você acha esse cenário duro no mundo atual, amplie os horizontes para os anos 70/80 para ver a rigidez que era antes, porém as crianças viviam bem mais livres e contentes do que hoje. E o diretor foi bem sábio ao trabalhar a produção com o foco nas crianças, afinal eles se saíram bem melhor que os adultos, dando alma para o filme, colocando suas visões do mundo e agradando com o carisma inocente ao fazer suas "artes". O único problema do diretor foi abusar de câmeras exageradas em momentos desnecessários, por exemplo a câmera girando ao redor dos personagens numa cena é algo que embora valorize todo o ambiente circular, não tem nenhum significado útil para a trama, e além disso muitas cenas acabam soando banais e exageradas demais, principalmente por parte dos adultos, e isso deixou o filme estranho em certos momentos, parecendo que faltou direção realmente para eles, já que são bons atores.

Já que estou falando dos atores, vale destacar mesmo o jovem Lucas Alexandre, que não podemos falar que estreou, e sim decolou fazendo algo que pode parecer simples, mas não é, ser uma criança verossímil e com trejeitos de criança, além disso trabalhando movimentos em algumas cenas de forma riquíssima e interessante de ver na tela, ao exemplo do momento que volta a andar. Vivianne Pasmanter entrou num clima de pobreza que é difícil ver e assimilar com o mulherão que é, e conseguiu dar sentimento real de mãe em diversos momentos que agradaram bastante. Werner Schünemann exagerou um pouco no pragmatismo religioso e nas caras e bocas que faz a todo momento, sabemos que ele é um ator fantástico, mas aqui deixou muito a desejar nas cenas que esperávamos mais atuação dele, principalmente nas que não precisa fazer uso do diálogo. Arlete Salles conseguiu usar diversas frases de efeito para que seu personagem ficasse bacana, e sua bondade também agradou, mas o personagem precisaria de um pouco mais de desenvolvimento para ter o valor que teve, não apenas ficando recluso a uma conversa onde fala o motivo de ser caridosa, mesmo morando aonde está morando. Mayara Comunale acaba tendo um bom destaque por ser a irmã que apoia as ideias do garoto e sua forma de atuar deu todo um convencimento que irmãos mais velhos costumam passar para os menores, agradou bastante tanto em desenvolvimento quanto em trejeitos. As demais crianças fazem o que devem fazer brincar em cena e não atrapalhar o andamento, e com isso agradam bastante.

Visualmente o filme tem todo o lado pobre colocado para retratar a vida da família e o crescimento deles, mesmo que pequeno é bem destacado, além disso todo elemento acaba sendo bem trabalhado para retratar cada cenário como único dentro da trama, visto o ferro velho, a comunidade aonde moram, e claro os campinhos de terra, além dos momentos dentro da escola que até poderiam ter sido melhor usados. Além disso tudo foi bem pensado para contextualizar a época, tanto figurinos, como carros e até mesmo os estabelecimentos, destaques para a vendinha, o cinema e até mesmo a escola, para não correr o risco de alguém falar que o filme estava passando em época errada. A fotografia optou em usar um filtro puxado para o marrom para envelhecer e dar um ar mais nostálgico para a trama, e isso até agrada, mas fica meio comum demais.

Um outro problema que ao mesmo tempo ficou bacana é a questão musical, que optando por diversas músicas de diferentes gêneros, o longa acaba ficando confuso ao querer mostrar os momentos por canções bem encaixadas e isso soou bem estranho. Além de algumas versões não estarem agradáveis, por exemplo "Filho Maravilha" tocar uma versão de show com pessoas cantando.

Enfim, se não focarmos tanto nos problemas, o longa agrada bastante pelo lado saudosista que passa para a maioria que viveu essa época e sabia que brincar e sonhar eram as melhores coisas do mundo, sem precisar se preocupar com o que a vida adulta iria nos cobrar. É um filme que vale a pena ser conferido, principalmente por valorizar o cinema nacional diferenciado das comédias, então aproveitem para ir aos cinemas caso esteja passando em sua cidade e, de preferência, levem seus filhos para ver o que era brincar na nossa época. Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas ainda temos mais um longa para conferir essa semana, então abraços e até breve.



2 comentários:

Eduardo disse...

Legal o olhar sobre o filme, que realmente tem problemas mas tem muitas virtudes que fazem valer a pena ser visto.

Fernando Coelho disse...

Temos sempre que analisar tudo Eduardo, e o filme é bacana em manter a humildade de não querer ser uma mega obra prima, mas sim ser conciso no roteiro e trabalhar bem as ações, e isso temos de positivar sempre! Abraços!

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