Homem Com H

5/01/2025 02:35:00 AM |

Um dos maiores riscos de um filme biográfico é o diretor fazer a homenagem com o artista/personagem vivo ainda, pois se ficar algo bacana irá colher todos os louros, emocionar o verdadeiro e tudo mais, mas do contrário pode ser o fim de uma carreira com todo o bombardeio que acaba acontecendo. Dito isso, nunca conheci a fundo a vida de Ney Matogrosso, conhecendo claro as principais canções e vendo sempre seu estilo ousado bem fora dos padrões em qualquer época que seja, e se existia diretor melhor para pegar e transformar a vida inteira desse ser que foi e ainda é o cantor, com toda certeza era Esmir Filho, pois é um dos diretores brasileiros mais malucos e ousados, ao ponto que vemos a trama de "Homem Com H" por muitas vezes pensando se essa loucura era mesmo do personagem ou insanidade artística na tela, e a mistura funcionou por demais de ambos os estilos, virando um show presente misturado com passado, com pegações e dinâmicas tão bem marcadas que por vezes até pensei o quanto estavam biografando e o quanto estavam inventando, mas sabendo um pouco sobre Ney é capaz que tudo ali foi bem verdade, tudo isso fora a atuação tão incrível de Jesuíta Barbosa que em muitos atos se não soubéssemos que o verdadeiro Ney está bem velho, falaríamos que era computação gráfica para fazer ele ali dançando e interpretando, pois ficou o mesmo rejuvenescido em diversos momentos. Ou seja, perfeição é o que se fala, tendo um ponto ali, outro aqui para se discordar das atitudes cênicas colocadas, mas é algo memorável e bem feito em vida do homenageado ao menos.

O longa nos mostra a cinebiografia de Ney Matogrosso, apresentando a intensa trajetória do artista desde a infância até se tornar uma das grandes figuras da música e cultura brasileiras. O filme acompanha a origem em Bela Vista no Mato Grosso do Sul e os constantes embates familiares em razão dos preconceitos de seu pai. Ao sair de casa e se mudar para São Paulo, Ney dá início à sua carreira artística. Com uma voz única e uma veia criativa e performática inesquecível, Ney Matogrosso compõe um terço da banda Secos & Molhados e enfileira sucessos como Rosa de Hiroshima e Sangue Latino em meio à repressão da ditadura militar. Passando por cada fase de sua carreira, o longa conta a história de vida de um ícone artístico, demonstra sua identidade revolucionária e arrebatadora, seu ímpeto libertário e sua inconfundível presença de palco.

Confesso que quando vi o nome do diretor e roteirista Esmir Filho envolvido no projeto fiquei com muito medo de como seria representado a trama na tela, pois ele é conhecido por muitos filmes alternativos e geralmente acaba sendo muito premiado por isso, mas ao analisar o resultado na tela ficou muito claro que o estilo de Ney sendo meio que um bicho como ele se define em diversos momentos também é o mesmo estilo de Esmir, ao ponto que vemos literalmente um filme com animais, com muita selva, mar, e claro todo o envolvimento de mudanças no mundo desde os anos 1940 até 2024 que é o período abrangido na tela, ou seja, o diretor pegou seu estilo e juntou ao estilo de Ney e fez algo completamente lúdico, mas também real, sério e imaginário, com cenas intensas, mas também emocionais, e claro muito show, muita música boa e tudo mais que o verdadeiro viveu desde os conflitos na infância, seus amores e romances, suas interações com os períodos mais intensos do país (desde a Ditadura com muita censura até a AIDS com a morte de muitos amigos), e tudo mais sem precisar correr com o tempo, mas também não enrolando com coisas sem necessidade, e assim funcionando na tela por completo.

Quanto das atuações, diria que Jesuíta Barbosa fez um grandioso trabalho para que seu Ney Matogrosso ficasse o mais próximo do verdadeiro, tanto que em muitos atos você nem via o ator Jesuíta em cena, mas sim o personagem vivenciando seus diversos momentos, e isso é algo muito bonito de ver quando funciona, mostrando todas as facetas expressivas do ator que sem dúvida é um dos melhores de nosso país, e que ainda vai brilhar muito. Outro que trabalhou muito bem foi Rômulo Braga com seu Antônio (pai de Ney), misturando atos fortes com outros emocionais, mais simples, mas que acabam sendo entregues na medida certa para convencer na tela. Hermila Guedes soube transparecer com olhares toda a emoção de sua Beíta (mãe de Ney), fazendo com que admiração e orgulho tivessem uma faceta para ser chamada de sua, e sem forçar agradar do começo ao fim. Ainda tivemos grandes atos marcantes de Bruno Montaleone com seu Marco de Maria, sendo o parceiro de grande tempo do personagem, e Pedro Zurawski com seu Cato sendo marcante como um primeiro amor não correspondido, mas sem dúvida quem apareceu bastante e chamou muita atenção pelo estilo jogado com boas dinâmicas foi Jullio Reis com seu Cazuza debochado e intenso.

Visualmente quem não conhece um pouco a vida de Ney e o estilo de filmes de Esmir vai se chocar bastante, pois ambos adeptos de figurinos excêntricos e muito nu na tela, muito mato e representações de vários shows, mostrando também as diversas épocas contando desde a simples casa da família na Vila Militar, o exercício do protagonista na Aeronáutica, sua vida como hippie, a ditadura e os censores em seus shows, até passar pelas casas mais ricas que teve e sua morada no meio de uma floresta assumindo o bicho que era, ou seja, a equipe de arte teve muito trabalho para recriar tudo de forma grandiosa sem ficar jogada apenas na tela.

Enfim, nem vou falar da parte musical, afinal o longa contou com praticamente todas as canções mais conhecidas de Ney, e com isso faz o ritmo ser dinâmico e interessante demais, de modo que o resultado funciona bem e vale tanto para os fãs do cantor, quanto para quem deseja conhecer mais sobre ele, e claro pelo valor do cinema nacional bem feito, pois é inegável que após muitas premiações ficássemos esperando agora só glórias, e se seguirmos nesse ritmo, muitas virão. Então fica a dica, claro com a ressalva de não levar a criançada (pois a censura é 16 anos, mas vindo do Ney, alguns atos vão chocar até os mais velhos), e eu fico por aqui hoje, mas volto amanhã com mais textos, então abraços e até logo mais.


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