O Tradutor (Un Traductor)

4/06/2019 07:20:00 PM |

Alguns filmes conseguem nos entregar até mais do que apenas a história que foi desenvolvida, de modo que acabamos conhecendo um pouco da cultura de um país numa época, como eram os gostos, sentidos, e claro, o que acontecia em um dos principais momentos do Mundo moderno, de modo que praticamente viajamos pela História conhecendo ao menos um pouco através de um filme. Digo isso hoje, pois mesmo não sendo a base do longa "O Tradutor", os diretores conseguiram nos mostrar como acabou ficando a vida dos cubanos logo que o muro de Berlim caiu, e mudanças fortes acabaram rolando em cima dos países que apoiavam o Gorbatchov, e a síntese nesse quesito acaba sendo bem mostrada pela falta de combustível, de comida, da forma que as pessoas pagavam as coisas, das indicações diretas para que trabalhassem sem poder opinar, e tudo mais, mas claro funcionando isso bem em segundo plano, pois o mote principal do longa nos entrega maravilhosamente toda a síntese de uma pessoa que não é médica tendo que trabalhar para explicar para os pais, e principalmente para as crianças de outro país, o que está acontecendo com elas, e ainda claro ter de cuidar de sua vida também. Ou seja, um filme só, completamente artístico, mas que abre tantas facetas de discussão, que acabamos não só nos emocionando pela ideia em si, como também vivenciamos os momentos mostrados, agradando principalmente quem gosta do estilo de cinema artístico, pois quem for esperando algo comercial, irá sair levemente decepcionado.

O longa nos conta que trabalhando na Universidade de Havana, um professor de literatura russa é obrigado a trabalhar como tradutor para crianças vítimas do desastre nuclear de Chernobyl, quando elas são enviadas até Cuba para tratamento médico.

A sinopse em si é bem simples, assim como o filme dos irmãos Rodrigo e Sebastián Bariuso tentaram transparecer, ao contar a história de seu pai, e embora tenha descoberto essa informação apenas nos créditos, fica bem claro que havia algum familiar envolvido na formatação da trama, pois como o filme basicamente é sobre as crianças e familiares que estavam em um país sem saber falar a língua, sendo tratados por pessoas que não lhes entendiam também, e todos os conflitos possíveis que isso poderia ocorrer, ainda mais num país aonde a economia desabou durante o período em que se passa o longa, era impossível ter tanto foco na vida pessoal de um tradutor que trabalhou ali, em ficar mostrando a falta de atenção do pai para com o filho, e claro, também para com sua esposa, ou seja, os escritos no final foram apenas para dizer o óbvio, que alguém ali queria mostrar ao mesmo tempo como seu pai foi humano com outras crianças, mas que esqueceu de lhe cuidar. Porém tirando esse detalhe, os diretores e a roteirista Lindsay Gossling conseguiram criar um longa comovente, bem trabalhado, aonde vemos todo o sofrimento das crianças com os efeitos da radiação sendo submetidas a mais radiação, vemos Cuba sofrendo com falta de comida, energia, combustíveis, e claro vemos toda a essência do transparecer a linguagem, que conseguiram nos mostrar que mesmo não falando a mesma língua, a entonação que cada um via nas conversas passava geralmente mensagens diferentes, e isso é algo bem interessante de ver, e que foi conseguido pela equipe.

Quanto das atuações, podemos dizer que quando Rodrigo Santoro opta por fazer personagens dramáticos com uma simplicidade na forma de conduzir, ele não erra, e ainda consegue fazer com que o público grude os olhos em suas facetas, e torça por ele, de modo que seu Malin é tão impactante, tão cheio de vértices, que ficamos encantados com suas atitudes, medos e anseios, resultando em um personagem com uma história maior do que a passada no longa, e vivida com ênfase, mostrando que o ator se esforçou demais, aprendeu russo, e falando o filme inteiro nas duas línguas maravilhosamente, ainda acertou com a terceira língua, a expressiva, pois como disse acima, ele passou e muito as mensagens através dos olhares. A atriz argentina Maricel Álvarez também foi muito precisa nos sentimentos de sua enfermeira Gladyz, de modo que se passando sempre como durona nos momentos mais tensos, revelava-se aberta as emoções para as situações não vistas, e com muito envolvimento foi condensando os atos até entregar tudo bem fechado e coeso para que sua personagem tivesse um bom destaque. Yoandra Suárez deu emoções fortes para sua Isona, trabalhando bem como uma mãe quase deixada de lado pelo serviço do pai, e como certamente foi quem deu muito carinho para o filho, os diretores procuraram uma representatividade cheia de intenções para a atriz demonstrar na tela, e ela passou muito forte cada olhar para cada ato ser preciso. Dentre os demais, temos de parabenizar todas as crianças que foram incríveis nos sentimentos, não sei se realmente alguma era criança de hospital, que as vezes costumam pegar para ter uma nuance melhorada, mas sendo ou não todas sem exceção conseguiram emocionar demais, tendo destaque claro para Nikita Semenov como Alexi, e Genadijs Dolganovs que fez seu pai Vladimir.

No conceito cênico, outro show de bola da equipe de produção, e não por termos grandiosas escolhas cênicas, pois o primeiro hospital foi bem simples, o segundo mais cheio de luxos, mas a grande priori em mostrar veículos da época, os mercados com falta de comida, a faculdade ornamentada por fora, mas singela por dentro, os postos sem combustíveis, pessoas se ajudando para ir aos lugares, e claro dentro do hospital os leitos simples, mas com diversos médicos e enfermeiros prontos para tudo, deram um tom para a arte refletindo um trabalho incrível de pesquisa e funcionalidade, para que cada momento fosse subjetivo, mas cheio de impressões sem necessitar explicar nada, ou seja, riquíssimo de detalhes. A fotografia não quis exagerar em tons escuros, e mesmo sem apelações visuais, os tons deram representatividade cênica funcional para que cada ato tivesse seu peso, ou seja, simplicidade sempre em primeiro ato.

Enfim, um filme clássico de festivais, que certamente ainda pode levar alguns prêmios espalhados mundo afora, pois vale o conceito, a vivência e quem gostar de longas artísticos certamente sairá da sessão muito satisfeito com o que verá na telona, mas que por ser tão dessa forma, não agradará o outro público, que imaginará ser um filme mais sentimental, e não era essa a pegada da trama, o que decepcionará um pouco. Sendo assim, fica minha recomendação com leve tom de que poderiam ter trabalhado mais a situação das crianças e menos da família, mas aí o diretor não teria mostrado sua ideia, e sendo assim o filme ficaria completamente diferente. Bem é isso pessoal, fico por aqui agora, mas volto em breve com mais textos, então abraços e até logo mais.

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