O Sacrifício do Cervo Sagrado (The Killing of a Sacred Deer)

2/13/2018 01:44:00 AM |

Sempre que vou conferir um filme premiado em Cannes, já vou preparado para coisas deveras estranhas, e mais ainda para finais estranhos que fujam completamente do que vimos na trama toda. Porém com "O Sacrifício do Cervo Sagrado", a trama embora seja metódica e cheia de respiros, ela consegue apanhar os espectadores para que fiquem até o fim do filme esperando por algo que já foi dito logo no começo, ou seja, embora seja algo até chocante, esperaríamos ver alguma reviravolta não dita no enredo, ou algo surpreendente, mas o diretor vai pelo rumo certeiro, e mesmo que tudo pareça cheio de vértices, a metodologia acaba funcionando como um filme de horror puxado pela dramaticidade, mas não convence como poderia, pois certamente se mexendo do começo ao fim pela ideia da ciência e da perspectiva de uma família deveras problemática, o acreditar em crendices e ir ao fim com ela acabou mais dando dor de cabeça pela trilha sonora barulhenta no nível máximo do que pela ideia fechada do final. Não digo que foi um filme ruim, que eu vá esquecer dele tão rápido, mas assim como as senhoras que estavam no meu lado falaram em determinada parte: "estou curiosa para saber como isso tudo vai acabar", e no fim, ouvi das mesmas: "que tristeza, parecia ser um filme tão bom!", ou seja, a história possui sim um bom roteiro como a premiação que ganhou em Cannes, mas passa bem longe de ser um bom filme.

A sinopse nos conta que Steven é um cardiologista conceituado que é casado com Anna, com quem tem dois filhos: Kim e Bob. Já há algum tempo ele mantém contato frequente com Martin), um adolescente cujo pai morreu na mesa de operação, justamente quando era operado por Steven. Ele gosta bastante do garoto, tanto que lhe dá presentes e decide apresentá-lo à família. Entretanto, quando o jovem não recebe mais a atenção de antigamente, decide elaborar um plano de vingança.

Diria que o diretor grego Yorgos Lanthimos enxergou a possibilidade de criar tensão em conflitos familiares que muitos outros já tentaram e não deu certo, pois conseguiu destaque em 2015 com "O Lagosta", que usava embora com outra temática, mas um certo suspense com moldes semelhantes, e agora ele apenas aprimorou o estilo trabalhando um cerne psicológico de revolta, pela perda de atenção do garoto, pelo sentimento de culpa por parte do médico, pelo aumento dos hormônios da garota, entre outros que poderia ficar aqui discutindo por horas, mas não vem ao caso, e com isso vemos um filme com uma boa esquete montada, que poderia vingar rumos impressionantes, mas que só ousou, e colocou algumas pitadas duras para impressionar, mas que não chegaram a causar como realmente poderia. Claro que a direção foi bem embasada no roteiro e este veio bem crítico, e com isso, alguns vão se apaixonar pela trama, vão citar ideologias mitológicas e tudo mais, mas o grande cerne da trama ficou falho na complexidade e não chegou aonde poderia, entregando o simples e mais fácil de ver, e gastando para isso uma trilha exagerada demais que não vai assustar, não vai causar e mais ainda, vai cansar, ou seja, o uso desnecessário do barulho que costumamos ver em dramas de terror.

Dentro das atuações, já tinha me surpreendido em "Dunkirk" mesmo aparecendo pouco com a capacidade expressiva de Barry Keoghan, que aqui ficou até com um ar mais jovem, mas a forma de persuasão obsessiva de seu Martin é tão forte que chegamos a ficar revoltados com seu personagem, e assim mostrou que sabe fazer muito bem o papel que lhe for dado, criando nuances e entregando algo quase doentio com sua forma de vingança, sem falhar em nada, ou seja, um grande acerto para um jovem ator. Desconheci um pouco o estilo de Colin Farrell que costuma entregar personagens sérios, mas sempre com um ar mais convicto, e aqui seu Steven parece estar sempre questionando seus atos, e com isso vemos um personagem sempre em dúvida em cena, o que é estranho, mas que cabe bem no papel, e com isso o resultado acaba soando interessante. Nicole Kidman é daquelas atrizes que sempre se sai bem, e aqui como Anna, ficamos jogados com sua personalidade, de modo que não sabemos bem como irá reagir a cada nova situação, e o melhor é que faz três atos distintos para a personagem, coisa bem rara de uma atriz em um único filme, de modo a surpreender bem. Embora apareça apenas em uma cena, Alicia Silverstone também chama muita atenção como a mãe do garoto, fazendo em cena tudo o que se esperava dela, e assim sendo um grato acerto. Os jovens Raffey Cassidy e Sunny Suljic foram bem interessantes principalmente ao entregar uma dinâmica mais séria, fazendo caras e bocas para mostrar que não estão brincando com o pai, a garota principalmente trabalhando um ar de paixão pelo jovem Martin, mas seus grandes atos ficaram nas cenas rastejando que fizeram muito bem.

No conceito visual a trama trabalhou bem dentro de um hospital bem elitizado, colocou festas de gala de médicos, com bebidas nas vésperas de operações para mostrar o problema do protagonista, contrapôs a casa chique do médico com a casa de comunidade pobre do garoto e com isso fez vários jogos para o público refletir, ou seja, um jogo bem feito e interessante de ver pelo arquétipo que a direção de arte quis mostrar. A equipe de fotografia trabalhou razoavelmente bem, pois poderia ter encontrado ares melhores de dramaticidade se colocassem mais tons escuros na trama ao invés de muita iluminação nas cenas do hospital, mas no geral vimos um filme tenso propenso pelos ares da montagem.

Enfim, é um filme bem escrito que chama bem o público para uma introspecção forte, e que faz com que esperemos até o final algo diferenciado, só uma pena que não atingiu o seu máximo, mas vale a conferida. Recomendo ele mais por ser algo diferenciado, que sim, vai causar um certo estranhamento de muitos pelo impacto de algumas cenas, mas nada que espante demais, principalmente pelo desfecho escolhido (que é forte, mas revelado logo no começo). Bem é isso pessoal, fico por aqui hoje, mas volto amanhã com a última estreia dessa semana no interior, então abraços e até breve.

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