A Garota Desconhecida (La fille inconnue) (The Unknown Girl)

12/07/2016 02:21:00 AM |

Já disse uma vez que sem a curiosidade não teríamos cinema, pois se a mocinha não for olhar o barulho lá fora num filme de terror nada aconteceria para ser contado, e se não estamos com um filme de terror, e também não temos um drama bem pautado também, o que fazer? Colocar uma médica intrometida a investigadora, e a deixar com culpa para tentar ir atrás de alguma resposta de um crime na porta de seu consultório! A ideia de "A Garota Desconhecida" pode não ser algo que se pensasse inicialmente, mas que flui bem com a curiosidade da protagonista (que diria mais para enxerida e chata pra caramba) e que mesmo com um final bacana, acaba cansando por ficar batendo sempre na mesma tecla. Poderia ser mais investigativo, com mais personagens (policiais mesmo indo a fundo), e uma moral de culpa menos assombrosa para que o resultado agradasse mais, mas ainda assim é um filme bem interessante de se conferir.

O longa nos mostra que Jenny é uma médica dedicada, que há três meses passou a trabalhar na vaga deixada por um médico veterano, que foi seu mentor. Bastante atenciosa com seus pacientes, ela fica abalada ao saber sobre o falecimento de uma jovem que procurou a clínica em que trabalha, mas não conseguiu atendimento por ter chegado uma hora após o horário de encerramento. Querendo saber mais sobre esta jovem, ela passa a realizar uma investigação pessoal em busca de sua identidade.

O estilo de cinema dos irmãos Dardenne é algo mais calmo realmente, e que flui sem precisar de muita ousadia, mas aqui a ideologia que Jean-Pierre e Luc acabaram criando gera tantas controvérsias que acabamos mais incomodados com tudo do que conectados com a história, pois logo de cara a protagonista não se parece com o estilo de uma médica, trabalhando com semblantes quase jogados sem muita expressividade e sempre oscilando entre ativa demais e passiva demais, nunca num meio termo. E claro que o sentimento de culpa vai surgir por não ter ajudado alguém, mas dificilmente uma pessoa se envolveria tanto para descobrir um nome apenas, e isso é o ponto mais errado da trama. Não digo que a história não agrade ou que os diretores tenham errado a mão, mas quando não adentramos a um mundo fantasioso totalmente fictício, o mínimo que se espera de um drama "policial" é que ele siga uma linha cognitiva coerente, e a cada nova insistência da protagonista para se "meter" literalmente na vida das outras pessoas, sempre alegando sigilo médico é algo tão absurdo que incomoda. E sendo assim, ao final até acreditamos no ocorrido, ficamos felizes de certo modo com o desenvolver que nos é entregue, mas que certamente seria desejado algo mais "real".

Diria que é até difícil falar dos personagens secundários da trama, pois a protagonista mantém tanto a atenção em si que quase esquecemos que existem outras pessoas em cena. E sendo assim, talvez fosse mais preciso que Adèle Haenel incorporasse mais o ar de médica e menos o ar de detetive, pois vemos sua Jenny com um olhar jogado desesperançoso e que poucas pessoas até tivesse uma gana, pois se existe uma profissão que você vê impacto no olhar são os médicos, e aqui a jovem ficou oscilando o longa inteiro sem nenhuma grande cena que mostrasse o valor de uma protagonista, muito menos um impacto maior que chegasse a agradar mesmo, pois não digo que não ficamos o longa inteiro para que ela descobrisse algo, mas sim que ela chegasse lá e ainda com grande estilo, e seu olhar de desgosto para com a cena de clímax é tão blasé que não sabemos se está inconformada com o que vê ou falando por dentro "eu já sabia". Apenas para não dizer que não citei outros personagens, temos de honrar o jovem Louka Minnella com seu Bryan bem chatinho, mas que até teve algumas cenas de nuance, e claro as finais com Jérémie Renier mostrando o pai do garoto bem dramatizado. Agora faltou um belo chá de ânimo para a interpretação de Olivier Bonnaud com seu Julien, pois tenho certeza que até eu que não sou ator faria expressões melhores que ele.

Sem dúvida alguma o melhor do longa está nas nuances das locações, pois temos um consultório médico digamos meio que improvisado (não sei como funciona em outros países, mas diria que ficou bem simplório por parte da direção de arte), mas que localizado num lugar bem pobre, acabou tendo uma dinâmica interessante ao se mixar com a casa da protagonista. Temos um cybercafé bem barra pesada, um local abandonado e diversas casas de pacientes que retratam uma realidade dura de um país que digamos é bem mais evoluído que o nosso, mas que se tirarmos base pelo longa vamos sair falando que aqui é o lugar mais lindo do mundo. Ou seja, não diria que a equipe artística teve grandes trabalhos, mas sim que pecou em não colocar mais elementos em cena. A fotografia foi singela, trabalhando poucas cores, e mantendo sempre um tom abaixo para criar uma certa tensão no ar, o que mostra um trabalho coerente no conceito de dramaticidade, mas que poderia também ter sido melhorado.

Enfim, um filme que teve uma ideia interessante, mas que acabou faltando atitude, e que mostra uma certa acomodação dos diretores que já tiveram grandes e marcantes obras no cinema, ou seja, entregaram mais do mesmo, e deixaram um marasmo exagerado sem pressionar mais a atriz principal. Portanto não digo que é um filme inválido de se assistir, pois ao final já estamos conversando e reclamando dos personagens, o que mostra uma interação bacana que o longa propõe, mas que falhou demais em não chegar para lado algum na proposta, principalmente por focar demais numa protagonista fraca e completamente fora de uma realidade, e sendo assim, veja somente se tiver muita vontade e não estiver passando mais nada nos cinemas. Fico por aqui agora, mas hoje a noite terei mais uma sessão da Itinerância da 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo que está ocorrendo no SESC, então abraços e até breve com mais textos.

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