Aquarius

9/11/2016 02:34:00 AM |

Enfim eis que surge o filme nacional mais polêmico da atualidade, e não diria nem que é tanto pela essência mostrada nos 145 minutos de projeção, pois "Aquarius" possui muito mais o conteúdo humano da insistência familiar versus o corporativismo imobiliário do que um mote completamente politizado como têm sido pregado pelos quatro cantos. Claro que as referências podem ser interpretadas de maneira metafórica com a atual situação do país, claro que os artistas fizeram protestos por diversos motivos, claro que muita coisa está sendo falada e funcionando como marketing do longa também, mas longe de toda essa movimentação, existe algo que temos de falar sobre o filme (e é somente nesse contexto que irei analisar) que o diretor precisa fazer aulas de concisão cênica urgente, pois já é seu segundo filme que ele arrasta querendo ser simbólico demais, de tal maneira seus filmes poderiam certamente ser menores passando a mesma mensagem e ainda agradaria muito. Mas tirando esse detalhe, o filme é bem trabalhado e agrada pelo tom interessante e competente da situação que a protagonista é colocada, contrapondo com a ideologia do momento de modernizar tudo.

O longa nos mostra que Clara tem 65 anos, é jornalista aposentada, viúva e mãe de três adultos. Ela mora em um apartamento localizado na Av. Boa Viagem, no Recife, onde criou seus filhos e viveu boa parte de sua vida. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora conseguiram adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaça para que mude de ideia.

Embora o diretor tenha feito um filme com ideias bonitas e com situações bem cheias de saudosismo, afinal a protagonista praticamente continua vivendo os anos 80 e mantém praticamente tudo do apartamento por anos, misturando um pouco com algumas coisas tecnológicas para não ficar totalmente blasé, seu filme acaba tendo alguns apelos completamente desnecessários, que acabariam reduzindo o tempo de filme (afinal acaba cansando demais 145 minutos de drama), como por exemplo o alto cunho sexual, mostrando em diversos momentos órgãos sexuais masculinos e em algumas vezes femininos também, (o que acabou dando uma classificação indicativa alta para o longa ,que erroneamente ficaram reclamando, pois o filme sim deve ser classificado como no mínimo 16 anos e acertadamente como 18), e se removessem isso, certamente teríamos um longa livre para toda a família, pois é interessante de ver o modo gostoso e até forte de lidar com a vida que a protagonista desenvolve. Portanto Kleber Mendonça Filho até se mostra como um bom diretor dramático, que soube pontuar bem os momentos cômicos da trama e trilhar um caminho claro para o fechamento de seu filme, porém suas criatividades desconexas, seus momentos desnecessários e a liberdade exagerada de expressão frente a algo que poderia ser mais singelo e bonito acabou deixando falho o resultado final da trama, porém ainda assim temos de parabenizar que melhorou muito se comparado com a viagem completa que fez em seu primeiro longa, trabalhando câmeras mais precisas e resultando assim em algo mais normal de ser visto.

O longa possui muitos personagens interessantes de serem discutidos, mas certamente o grande nome a ser lembrado sempre será de Sonia Braga com sua Clara, pois a atriz mostrou um brilhantismo intenso na forma de atuar, pontuando cada momento seu como se fosse único e criando perspectivas claras para que sua vivência fosse crível e colocando seu apartamento quase como um ente querido a qual defenderia com unhas e dentes para ficar com ele até sua morte, trabalhou bem um semblante tão forte que em algumas cenas até ficamos impressionados com a força da atriz, mostrando o porquê de ainda ser um dos grandes nomes do cinema nacional. Humberto Carrão soube mixar bem o estilo galanteador de seu Diego com um lado vilanesco sarcástico tão incrível na forma de dizer suas propostas que como acabamos nos apegando tanto ao apartamento da mesma forma que a protagonista, em algumas de suas falas a vontade que temos é de socar sua cara, o que a atriz infelizmente não fez, e isso mostra que o ator também soube ser preciso na forma de atuar para conseguir tal feito. Agora é incrível como Irandhir Santos mesmo sendo um coadjuvante que aparece digamos no máximo umas cinco vezes com seu Roberval consegue transformar suas cenas em ótimos momentos de expressividade e companheirismo para com a protagonista, encaixando tudo de maneira simbólica e bem interessante de ser vista. Quanto aos demais posso dizer que mesmo os que tiveram pequenos percalços expressivos não atrapalharam o andamento da trama, e sendo assim podemos dizer que tivemos uma boa direção de atores.

Agora certamente o grande trabalho do filme ficou por conta da equipe artística, que trabalhou com muita gana para encher o apartamento de simbologias e coisas antigas tão bem colocadas que conforme iam surgindo para remeter à algum pensamento da protagonista ou dar conteúdo para que o apartamento ficasse bem adornado junto da proposta de ir colocando ele quase como um familiar querido da protagonista e que acaba entrando para a do espectador que se conecte com a ideia também, ou seja, um trabalho colocado para tivesse vivência e fosse até mais importante que os diálogos da trama.

Outro grande fator importante do longa ficou a cargo das ótimas escolhas musicais que deram um tom incrível para cada momento da trama e conforme iam aparecendo nos iam fazendo viajar pelos sentimentos exatos que o diretor desejava passar, sem que nada fosse jogado ou ficasse remetido simplesmente para dar ritmo (o que infelizmente não foi colocado no longa), dando uma sensação bem gostosa para cada ato. Claro que não deixaria meus leitores sem o link para ouvir todas elas, então escute aqui.

Enfim, é um filme bem feito, com boas ideias, que pecou somente pelo exagero abusivo de algumas cenas completamente desnecessárias, e que está sendo discutido de uma forma completamente fora do que deveria ser discutido, como cinema realmente e não como política. Portanto é um filme que até vale ser visto, mas talvez em casa que dá para acelerar as diversas partes de mal gosto, e assim ver um longa de 80 minutos que vai agradar com certeza. Fico por aqui agora, mas volto em breve com mais textos das muitas estreias que apareceram aqui pelo interior, então abraços e até mais pessoal.

2 comentários:

Anônimo disse...

Os filmes do Kleber Mendonça são fortes, simbólicos e tem uma grande expressão psicológica. É dificil conseguir captar numa única vez toda as mensagens subliminares.

O espectador acompanha o sofrimento e a pressão psicológica crescente exercida em Clara demonstrado nos pequenos detalhes: a preocupação com a chave da porta, que antes não existia, os pesadelos e o apelo aflito a Roberval. Este chegou até a má interpretação de que estava sofrendo um flerte.

Ela sofre não apenas pressão dos empreendedores ambiciosos, mas também dos filhos e dos antigos vizinhos, todos anciosos em botar suas mãozinhas no dinheiro.

O que o velho e ultrapassado apartamento, com seus vinis, livros e fotografias significam para Clara?
É o resumo de sua vida, um valor sentimental inestimável e impagável. Ela só quer o terminar seus dias no sossego de suas lembranças. Observem a cena quando ela tenta inutilmente explicar, sem muita paciencia, para a reporter a diferença entre o Mp3 e o vinil "Double Fantasy" adquirido num sebo. A mocinha não ccompreendeu nada e a reportagem fica com a manchete chinfrim "Clara diz não ser contra Mp3".

Clara sem dúvida vive um tempo que não é mais o seu, quando as pessoas parecem educadas mas não são, e perderam totalmente seus escrupulos. Observem a frase proferida por Diego: "Eu tenho grande admiração pela senhora e por esta gente de pele mais morena que conseguiram, com grande esforço, vencer na vida".
Este é o perfeito link com os tempos que vivemos hoje: sem escrupulos porem hipocritas, pseudo puritamos e ligados a alguma igreja. Aí é que as cenas de sexo fazem todo o sentido. Observem a frase da tia de Clara logo no início após ser homenageada pelos netos e sobrinhos com um pequeno resumo de sua vida: "...vocês esqueceram de mencionar a revolução sexual".

Hoje sabemos que o filme não foi escolhido para representar o Brasil no Oscar. Acho que a decisão foi acertada. Não é um filme oscarizavel. Esta mais para filme europeu com seu simbolismo, dialogos inteligentes e ritmo contemplativo. Só lamento ter saido de Cannes sem premios. Isto sim, uma grande injustiça.

Fernando Coelho disse...

Olá amigo anônimo! Obrigado por mais uma crítica dentro da crítica rsss!! Mas é bem isso mesmo que você disse, foi acertado não adentrar ao Oscar com ele, pois é mais simbólico do que um filme para prêmios! Abraços!

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