Reza a Lenda

1/26/2016 01:29:00 AM |

Quando falam de filmes do cinema nacional geralmente não costumam citar os gêneros, afinal na maioria das vezes o que sempre aparece ou é alguma comédia novelesca ou algum romance também puxado para o lado das novelas. Daí quando algum diretor resolve ousar, ou ficamos com os pés atrás e vemos com cautela, ou acaba aguçando curiosidade demais, de modo que acabam comparando com outros e até mesmo reclamando de não seguir à risca algum detalhamento. Com "Reza a Lenda" aconteceu muito de vários críticos compararem somente pelo pôster e pelo primeiro trailer com a sensação de 2015, "Mad Max", e claro que com isso já estavam querendo exigir que o longa nacional fosse riquíssimo em efeitos visuais, e ainda mantivesse toda uma ideologia para ser seguida. E claro, que os que foram esperando ver isso saíram desapontados, reclamando de tudo o que viram. Mas apagando essa ideologia besta que muitos criaram, e chegando aos cinemas sem muitas expectativas, apenas querendo ver algo legitimamente nacional com uma boa pegada de ação, e principalmente fugindo dos gêneros tradicionais que tanto aparecem em nossos cinemas, certamente vai se impressionar com o estilo que o diretor imprime em seu primeiro longa, e ainda trabalhando bem algumas situações western, conseguiu mostrar que tem futuro, e claro que se acertarmos pequenos detalhes, podemos sim ver bons longas de ação feitos no Brasil.

O longa nos conta que em uma terra sem lei, a sorte favorece apenas os mais fortes e corajosos. Ara, um homem de ação e poucas palavras, é o líder de um bando de motoqueiros armados que acredita em uma antiga lenda capaz de devolver justiça e liberdade ao povo da região. Quando realizam um ousado roubo, acabam despertando a fúria do poderoso Tenório. Agora, Tenório vai concentrar todas as suas forças em uma perseguição para destruir o bando de Ara e recuperar aquilo que acredita ser seu por direito. Durante a perseguição, a jovem Laura é resgatada de um acidente e tem que seguir o bando contra a sua vontade, despertando ciúmes em Severina, companheira de Ara.

Acho interessante quando um diretor começa bem sua carreira, pois acredito que a ousadia é um dos pontos mais favoráveis dentro das qualidades que um diretor deve ter, já que muitos preferem se assegurar de um filme simples e com planos mais calmos, quando alguém já vai direto para o cinema de ação, aonde erros certamente vão ser atacados, já é no mínimo um começo que faz com que me interesse em acompanhar seus próximos projetos. Dito isso, analisando o estilo do diretor e roteirista Homero Olivetto, podemos dizer que saiu de um texto biográfico de ação (afinal podemos dizer que "Bruna Surfistinha" também teve muita ação) para algo que embora tenha bebido muito na fonte de fórmulas hollywoodianas, ele conseguiu colocar o sertão do Brasil, como ele realmente é visto mesmo dentro do país, como uma terra aonde um só manda, e os demais crentes em fés e alguns messias, acabam fazendo certas loucuras. Claro que o filme de forma alguma é perfeito, tendo muitos problemas técnicos, mas toda a simbologia passada, e o estilo determinante que lembra muitos filmes de western, conseguem deixar uma boa pitada de esperança, que um dia tenhamos longas de diversos estilos nos nossos cinemas, e claro que cada dia com menos erros. Um dos principais erros no filme, nem é tanto pela história, afinal já disse que ela é bem interessante pela forma que foi feita, mas sim na edição um pouco confusa inicialmente, dispensava começar do miolo e voltar depois, e também por culpa de alguns personagens ficarem abstratos demais dentro da proposta complexa do texto, o que facilmente também seria melhor cortado na edição. Alguns podem falar que se cortasse muito os defeitos acabaríamos tendo um curta ou até mesmo um média-metragem, mas certamente acabariam dizendo ser o filme mais brilhante do ano, e não reclamando tanto como estão.

Sobre a atuação, podemos dizer facilmente que algumas carinhas já estão marcadas no nosso cinema, e que mesmo alguns atores sendo bons, precisamos testar outros nomes para que um filme seja mais icônico, claro que grandes nomes chamam público, mas um filme diferenciado pede atores diferenciados. Não digo isso por algum erro na interpretação dos globais Cauã Reimond e Humberto Martins, mas Cauã, entrega para seu Ara, uma personalidade de playboy, a qual ele é conhecido, com jaquetões descolados e cabelo descolado, e se observarmos sua criação nos flashbacks da trama, veremos que era um jovem bem humilde e pobre, que não teria de onde sair com toda a pinta de galã de metrópoles, além disso ele trabalhou bem pouco sua expressão forte e isso é algo que costumamos gostar de ver em outros papeis seu, o que talvez marcaria mais ele, ou seja, é um bom ator, teve um bom papel, mas faltou desenvolver melhor ele além de apenas treinar pilotagem de motos. E pelo lado de Humberto Martins, seu Tenório é quase um fruto da composição de diversos outros personagens caipiras que ele já fez, inclusive se não me engano já fez até um coronel em alguma novela que possuía os mesmo trejeitos, mas trabalhou bem as expressões para tentar botar medo, e até chama atenção em alguns momentos, porém precisaria mais para que o público embarcasse na sua. A grande surpresa mesmo do longa fica por conta de Sophie Charlote (e graças aos deuses do cinema Nanda Costa desistiu da personagem), pois sua Severina tem personalidade, visual e pompa para chamar muita atenção e possivelmente agradaria bastante caso o vértice da trama se centrasse nela, já que deu um carisma forte para a personagem e uma vivência bem próxima já que o longa foi tão comparado com "Mad Max", ao que Charlize fez no badalado filme (claro que está bem longe de suas expressões, mas mostrou muita determinação e agrada bastante). Outro ator que foi mal aproveitado é Julio Andrade, como o bruxo Galego Lorde, pois sabemos que o ator sempre manda muito bem no cinema, e certamente chamaria muita atenção desenvolver suas loucuras, não as danças e rituais que aparecem, mas sim o motivo de ser um negociante, suas ligações mundanas e proféticas e tudo mais, mas aí acabaríamos mudando de longa para série, mas com os cortes que falei acima daria para aumentar sua participação, que agradaria bem mais. E por último, Luisa Arraes pode até ser uma garota bonita, mas infelizmente está na longa pelo dinheiro do pai(Guel Arraes) como produtor da trama, pode até ser que ela em outro filme tenha saído bem e chame alguma atenção, mas aqui é quase um objeto cênico desejável dentro das cenas, não tendo expressão, não tendo dinâmica, nem nada com sua Laura, e com toda certeza precisariam disso dela, ou seja, vamos esperar algum outro filme para falar bem dela, mas aqui não deu. Tiveram outros bons atores que passaram rapidamente em cena, como Jesuíta Barbosa, Silvia Buarque e Zezita Barbosa, mas apenas fizeram algumas pontas e expressões rápidas dentro da edição total, e quem sabe se um dia resolverem transformar a trama numa série mais alongada possam ter seus personagens desenvolvidos.

Agora se temos um ponto que certamente toda a equipe merece os parabéns é o conceito artístico da trama, que adequou completamente o sertão e a caatinga como elementos nacionais bem desenvolvidos, e como disse acima, eles trabalharam em conjunto como o próprio público vê esses lugares (uma terra sem leis e com alguns mexendo com a fé de outros), e dessa maneira representando bem com elementos alegóricos, o filme adentra à cenografia criada e agrada bastante. Claro que novamente temos alguns defeitos nessa área, por exemplo carros e motos com aparentes combustíveis ilimitados para atravessar grandes trechos, e alguns armamentos exagerados para o país do filme, mas na ficção tudo vale a pena, então é melhor parar com os defeitos e elogiar as locações, que deram uma aridez monstruosa para a trama, e a cada momento tudo ali se conectava para novos lugares. Além disso a fotografia botou os filtros marrom e laranja na bolsa e saíram sertão a fundo filmando com um tom que se não for visto numa sala bem refrigerada é capaz que saia suando da sessão com o calor passado. Também reclamando um pouco dos efeitos especiais, isso ainda não é uma das nossas melhores qualidades, então precisam aprender a usar menos, e trabalhar mais com a interpretação das cenas, claro que temos bons momentos, mas em outros quando utilizam em demasia, a falsidade transparece.

Vale também pontuar as boas trilhas sonoras que acompanharam a trama. Tudo bem que algumas pareciam estar fora do momento real que deveriam entrar, mas todas agradaram bastante, e o fechamento com a música da Pitty caiu como uma luva para a ideia que desejavam passar.

Enfim, é um bom filme, que por todos os motivos que citei acima, as qualidades acabam superando os defeitos, e sendo assim merece e muito ser visto. Claro que vai ter muita reclamação pra cima do diretor, mas volto a frisar que é seu primeiro longa, e já deu um passo enorme em relação à outros que ficaram apenas no café com leite docinho que não vão chamar atenção jamais, então agora é dar bilheteria para que mais produtores nacionais arrisquem no estilo. Bem é isso pessoal, encerro aqui essa semana que foi bem recheada de filmes, mas volto na próxima quinta com mais estreias (bem menos que dessa vez), então abraços e até breve.


0 comentários:

Postar um comentário

Obrigado por comentar em meu site... desde já agradeço por ler minhas críticas...