Os Oito Odiados (The Hatefull Eight)

1/02/2016 01:17:00 AM |

Falar o gênero de um filme de Quentin Tarantino é algo que não é das mais fáceis tarefas, por isso quando perguntarem do que é o filme, fale apenas que é um filme de Tarantino e já está valendo, pois sempre tem comicidade, tem investigação, tem dramaticidade, tem muito sangue e tudo mais que você desejar ver na tela do cinema, ou seja, uma obra completa sempre. Com "Os Oito Odiados", o diretor nos entrega seu oitavo filme de uma forma tão recheada de estilo que acabamos nos divertindo mesmo com algo um pouco alongado demais e explicadinho tintim por tintim, que muitos acabam reclamando, mas assim como diversos livros, as vezes precisamos frisar algo de outro capítulo para mostrar o que queremos, e como essa é a cara de Tarantino, vamos preparados para tudo, e ainda acabamos surpreendidos.

O longa nos mostra que durante uma nevasca, o carrasco John Ruth está transportando uma prisioneira, a famosa Daisy Domergue, que ele espera trocar por grande quantia de dinheiro. No caminho, os viajantes aceitam transportar o caçador de recompensas Marquis Warren, que está de olho em outro tesouro, e o xerife Chris Mannix, prestes a ser empossado em sua cidade. Como as condições climáticas pioram, eles buscam abrigo no Armazém da Minnie, onde quatro outros desconhecidos estão abrigados. Aos poucos, os oito viajantes no local começam a descobrir os segredos sangrentos uns dos outros, levando a um inevitável confronto entre eles.

Trabalhar com o estilo western é algo que ou você ama, ou acaba entregando algo meia boca, pois não dá para montar simbologias num gênero complexo, apenas jogando um duelo ou personagens como cowboys andando por uma paisagem quase desértica. E Tarantino sempre teve uma pegada interessante no estilo western, mas com "Django Livre" usou mais o lance de escravidão que o estilo rústico mesmo, e agora ele trabalhou todas as referências possíveis do estilo, em algo simbólico, cheio de metalinguagens e principalmente deixando o público curioso até o penúltimo capítulo para saber tudo, ou seja, assim como acontecia nos westerns tradicionais, não temos como afirmar uma agulha até o último segundo da trama. E assim sendo ele volta a mostrar o quão bom é com diálogos e estruturas narrativas, fazendo do seu filme, literalmente um livro que conseguimos folhear capítulo a capítulo, instigando a cada momento para sabermos mais de cada personagem. E para isso, usou e abusou de ângulos diferenciados, para não mostrar nada além do que queria para aquele capítulo, retornando a cena anterior quando necessário para mostrar outro ponto de vista e apontar para onde deveríamos ter olhado, e não olhamos, dando um baile de classe total para os suspenses que entregam tudo logo de cara.

É difícil achar um ator tão impactante quanto Samuel L. Jackson, pois se lhe é dado um personagem forte, ele vai lá e encontra um meio de deixar ele ainda mais marcante, e com o seu Marquis Warren, o ator conseguiu mostrar personalidade e até de certa forma criar um carisma com o público, o que é algo difícil de acontecer em longas mais violentos, mas com um senso de humor único e uma dinâmica bem característica, o personagem chama bastante atenção e agrada desde a maquiagem até tudo o que faz em cena. Kurt Russel é um ator com muitos altos e baixos, e por incrível que pareça, ele transparece isso também nos personagens que pega, de modo que o seu John Ruth até chama bastante a atenção, mas de protagonista da trama, acabou ficando jogado para coadjuvante e por bem pouco não sumiu mais em cena, frente aos outros atores, posso até estar enganado, mas o papel originalmente não seria dele, e sim de outro querido do diretor. Agora, uma atriz que não me recordo de nenhum outro grande papel seu, e aqui simplesmente detonou foi Jennifer Jason Leigh com sua Daisy Domergue, trabalhando expressões incríveis que junto de um texto impecável e muito sangue artificial na cara, acabou fazendo suas últimas cenas num nível fora do comum de adrenalina dramática, o que acabou lhe garantindo ao menos mais uma indicação para o Globo de Ouro. Walton Goggins inicialmente estava bem jogado de canto com seu Mannix, e de certa forma até estava incomodando sua presença junto os demais personagens, mas nos últimos capítulos tomou um crescente tão bacana, que passamos a gostar de tudo o que faz e acaba ficando bem divertido acompanhar seu deslanche. Os outros atores até tiveram seus bons momentos em cena, mas nenhum obteve grande destaque e apenas serviram para criar o mistério todo da cena, claro que sem eles o longa ficaria sem graça alguma, mas de modo geral, não podemos dar grande destaque para eles.

O principal fator de um bom western sem dúvida alguma é o conceito visual, que na maioria das vezes mostra um sertão árido quase desértico de tanto calor, e aqui ao colocar o deserto completo numa montanha gelada rodeada de uma grande nevasca, o diretor não só mudou o tom marrom costumeiro para o branco e cinza, como criou um âmbito cênico muito bonito de se ver, e claro que a equipe de arte não economizou em detalhes antigos para que os elementos cênicos chamassem a atenção e ainda servissem para todo o contexto da história, conforme vai deslanchando mais ao final com a resolução completa do mistério. Ou seja, um trabalho de arte impecável que agrada demais na composição do pequeno espaço que é a estalagem aonde ocorre a maior parte dos atos. Claro que assim como a maioria dos westerns tradicionais, pouquíssimos efeitos computacionais foram colocados, abusando mais de efeitos mecânicos e para isso muito sangue artificial foi usado, então aqueles que forem mais nojentos, certamente irão reclamar de quase vazar sangue pela tela do cinema, mas que isso é algo muito bonito de ver do trabalho da equipe de maquiagem, certamente é, e estão de parabéns por todo o conceito que deram para cada personagem, seja enquanto estavam vivos ou após muitos tiros. A fotografia do longa é algo incrível de ver, e não se assustem que ao começar a exibição a tela da maioria dos cinemas vai reduzir bastante ficando bem retangular na exibição, pois o diretor quis ser ousado e filmou usando uma câmera Panavision 70mm, o que dá uma perspectiva diferenciada, e de certo modo chama a atenção para o estilo que tanto desejava mostrar, não chega a ser uma revolução e também não vai ser algo que o público em geral vá sentir diferença, mas aliado à todo o conceito cênico ao redor, o diretor de fotografia conseguiu ter uma iluminação bem clássica e bonita para que cada ângulo representasse a simbologia densa que o diretor tanto desejava alcançar. Em suma, são pequenos detalhes técnicos que pontuaram cada item para chamar atenção.

Que existem grandes nomes por trás das trilhas atualmente, isso é um fato totalmente conhecido por todos, e que cada dia mais nomes surgem também é um fato marcante, mas se existe um nome dentro de trilhas western que diretor algum pode sequer não cogitar trabalhar é Ennio Morricone, que com uma maestria completa deu suavidade em cada nota, criando a ambientação perfeita que o longa pedia, e certamente muito em breve veremos outros utilizarem as novas toadas que escolheu demonstrar junto de Tarantino, para criar musicalmente o ritmo denso que gostariam de alcançar.

Enfim, é um filme que certamente muitos desejam ver, e vão sair felizes com o resultado, e também um longa que chamará a atenção de curiosos e que acabarão tendo opiniões diferentes sobre gostar ou não, mas aí volto no que falei no parágrafo inicial, que é um longa do Tarantino e vai conseguir cativar o público certamente por algum elemento da trama, seja pela comicidade, pelo sangue voando pra todo lado, ou até mesmo pelo mistério que é criado em cima da história, ou seja, agrada à todos. Se tenho uma reclamação a pontuar é a duração de 187 minutos, que ainda por cima não tendo um ritmo tão dinâmico acaba cansando um pouco, e justamente com isso, ele acabou explicando demais cada detalhe, o que não era 100% necessário, mas ainda assim foi um excelente filme para abrir o ano de 2016. Então certamente recomendo ele para todos, e fico por aqui agora com a crítica desse longa que só estreia na próxima semana oficialmente, mas como veio em pré-estreia durante toda a semana, vale a pena conferir. Amanhã volto com outra pré-estreia que apareceu por aqui, então abraços e até breve.

2 comentários:

Heitor disse...

Boa tarde,
Assisti ontem e posso dizer que apesar de preferir Django à esse, o estilo Tarantino é inconfundível e cumpre com a função que todo filme deveria: provocar as mais variadas sensações. Mas gostaria mesmo de frisar a perfeita simbiose entre o filme e a magistral trilha sonora, chegando ao ponto de ter "silent night" incoporado e fazer sentido. Sensacional e é algo que eu já tinha sentido com Django, tanto que são trilhas sonoras que adquiri e tenho o prazer de ouvir.

Fernando Coelho disse...

Olá Heitor, o Tarantino sabe bem como provocar diferentes sensações, e todos deveriam aprender com isso... também prefiro Django!! Trilhas são demais, e quando encaixam então, é uma delícia... e Morricone não tem erro, sabe bem como fazer algo bem feito para encaixar onde quisermos... Abraços!

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