O Doador de Memórias

9/11/2014 01:52:00 AM |

Existem alguns filmes que vamos preparados para o conteúdo que seremos apresentados, mas alguns trabalham tão bem o trailer de forma a não dar pistas para que o espectador acabe sentindo realmente tudo que precisa durante a exibição mesmo. E com o trailer de "O Doador de Memórias" que já vinha sendo mostrado em diversas outras sessões, com toda sinceridade, não podia imaginar nem no mais íntimo pensamento que o filme conseguiria ter mensagens tão fortes e impactantes quanto deliciosas e bem colocadas para o momento em que estamos vivendo, e com isso saímos da sessão abismados com o conteúdo artístico e intelectual que ele nos passa, e melhor sem perder o tino comercial perfeito que o filme ainda possui, ou seja, é daqueles filmes que somos comprados pela embalagem lotada de nomes da moda e figurões carimbados, e ao abrirmos somos presenteados com algo que mais do que precisávamos ter, mas que nos faz sair renovados da sessão.

O filme nos mostra que uma pequena comunidade vive em um mundo aparentemente ideal, sem doenças nem guerras, mas também sem sentimentos. Uma pessoa é encarregada a armazenar estas memórias, de forma a poupar os demais habitantes do sofrimento e também guiá-los com sua sabedoria. De tempos em tempos esta tarefa muda de mãos e agora cabe ao jovem Jonas, que precisa passar por um duro treinamento para provar que é digno da responsabilidade.

A história possui uma densidade tão grande que já fico imaginando se conseguiram passar tudo isso para o filme, o quão trabalhado deve ser o livro que deu origem a ele, pois por mais que o filme trabalhe para mostrar os prós e contras de tudo que é retirado do mundo real para o que os personagens vivem, o conteúdo religioso e emotivo das situações acaba dominando de uma forma bem interessante, e isso faz com que o filme possa ser visto de duas maneiras bem isoladas, mas que se convergem num resultado único, que é o de entretenimento apenas e o de filme feito para se pensar. E com uma sabedoria fora do comum, o diretor Phillip Noyce("Salt") trabalhou o longa para ser mais humano e ao mesmo tempo desumano com tudo que podemos imaginar para ser colocado na trama. Assim como sempre faço, não irei entrar em detalhes do que está presente no livro e foi retirado, ou vice-versa, afinal como não li ele não posso falar nada, mas analisando como obra de ficção, o filme é maravilhoso e que daria para discutir por horas tudo que é mostrado durante e principalmente com as cenas finais, mas que se falar aqui lotaria o longa de spoilers que não merecem ser ditos, mas sim trabalhados com o cunho religioso da proposta, e com isso já falei até demais. Voltando a falar sobre a direção, podemos dizer que ao trabalhar com uma vertente bem dinâmica que é característica do diretor em seus outros filmes, tivemos aqui um exemplar de como não deixar um filme que tem um cunho bem denso, não acabar monótono, pois conhecendo bem outros possíveis diretores acabariam fazendo uma obra de 2 horas extremamente cansativas, e aqui temos 97 minutos que foram muito bem aproveitados.

Quando falamos em escalar um elenco bem pontuado, podemos ver de diversas formas, gastando muito dinheiro ou não, e aqui tiveram a grande expertise em colocar figurões de classe nos papéis chave, e completar com atores em destaque no mundo teen, para que o filme tivesse apelo aos jovens também não ficando apenas voltado para o pessoal que goste de filmes pensantes somente. O protagonista Brenton Thwaites ainda não é daqueles atores que vai fazer as meninas delirarem, felizmente o filme não o fez tirar a camisa, mas mostra que sua experiência em diversas séries teen juntamente com seus últimos trabalhos com grandes atores, tem sido uma base e tanto para que o jovem não ficasse nem fazendo caras e bocas e muito menos fosse apenas uma marionete sem vida nas telas, dando personalidade para o seu papel de Jonas, e nos convencendo muito com as reações frente ao conhecimento que vai adquirindo a cada nova cena. Que Jeff Bridges é um excelente ator, isso todos sabíamos, mas aqui ao fazer o papel de Doador, adota um tipo tão cheio de conteúdo para passar que por estarmos tão acostumados com seus papéis mais jogados de maluquice e peso dramático, aqui a forma doce e ao mesmo tempo forte nos demonstra literalmente como é ser um conhecedor de tudo que deseja passar ao seu discípulo exatamente o que deve fazer na vida, perfeito. Preciso falar mesmo de Meryl Streep? Como essa senhora de 65 anos consegue fazer um papel completamente diferente do outro e nos agradar tanto? Aqui seu papel é duro, sem vida e ainda assim acabamos torcendo pra ela em alguns momentos, é incrível isso o que ela nos causa, só isso já faz valer ver qualquer filme que a contenha. Sabia que já tinha visto algum outro bom filme com Alexander Skarsgård, e incrivelmente seu papel aqui lembrou totalmente sua atuação em "Melancolia" que por estar completamente dentro de um sistema, acaba não fazendo a figura paternal, mas sendo mais áspero e dando tons duros para tudo que ocorre na trama. A linda jovem de olhos azuis Odeya Rush ainda não teve seus filmes bem aparecidos por aqui, mas mostrou que conseguiu trabalhar muito o contato visual com o protagonista, de forma a criar um clima perfeito onde a química supera todas as emoções que não poderiam ser sentidas no ambiente, ou seja, agrada bastante sua atuação, e quem sabe agora seus agentes arrumem bons papéis para que desponte. Katie Holmes está tão dura no personagem da mãe do protagonista que nem parece a atriz maleável que conhecemos de outros filmes, mas nas suas poucas cenas consegue passar tudo que o papel pedia e mais ainda com uma postura bem firme. Agora a venda total do filme para um grande número de fãs da cantora Taylor Swift é quase uma piada, pois a jovem aparece em duas cenas praticamente irreconhecível, de modo que somente ao subir os créditos ficamos sabendo qual foi seu papel, e para quem não a reconhecer assim como eu, ela é a filha do Doador, e faz bem seus míseros momentos. Já falei de muitos atores e apenas para fechar o bloco, vale destacar para quem estiver com dúvidas, sim são bebês reais em todas as cenas, e os gêmeos Alexander e James Jillings viveram as cenas mais duras quando o bebê Gabriel já está com seus 12 meses, e onde vemos as cenas mais improváveis que muitos irão reclamar de ver um bebê na neve, na água, etc., mas nem tudo pode ser perfeito não é mesmo?

O filme foi montado com tantos elementos cênicos bem pautados que impressiona por sua riqueza conceitual não ter transformado o longa numa obra caríssima, já que com 25 milhões pagou um elenco com bons nomes e ainda montou algo bem bacana cenograficamente, claro que com um mérito muito grandioso para o acervo de imagens em altíssima definição que são usadas para as lembranças, e que em momento algum nos desapontam, mas a forma que foi desenhada a cidade, e todos os interiores das casas aonde se passa o filme é de um primor técnico impressionante. Claro que temos muitas cenas digitais, e em alguns momentos são forçados demais o efeito que acaba soando até feio o erro técnico, mas isso é um problema que o cinema digital ainda vai nos pregar grandes peças. Além da cidade com sua grande parte lotada de vegetação bem interessante, um grande feito de destaque está na casa do Doador, que com um estilo retrô que só caberia ali mesmo nos agrada bastante ao mostrar tudo que um mundo já teve e pôde ser preservado. Bom quanto da fotografia, já vale ressaltar para os mais desavisados que quase metade do filme é em PRETO e BRANCO mesmo, não é erro do cinema, portanto nada de querer sair avisando os gerentes dos cinemas que está com defeito o filme, e essa maravilha que o fotógrafo fez de sombras e nuances não somente encaixou bem na trama como deu uma característica maravilhosa ao filme, pontuando somente onde deveria ter cor e ressaltando que os jovens diretores de fotografia também sabem operar bem ao pensar num filme que não terá cores, afinal independente da escolha ter sido filmado em P/B ou colorido, souberam trabalhar as sombras na medida certa para nem estourar o branco e nem ficar escuro demais, e principalmente não atrapalhar a legenda branca, ou seja, um luxo ímpar que Ross Emery nos presenteou.

A trilha sonora do longa não é algo que nos marca tanto, mas foi bem trabalhada para ajudar no ritmo e cadenciar as cenas que foram imprescindíveis de ambientação, como as que o jovem descobre o que é música, e essa marcação que as vezes nem é tão aparente coube bem na trama para valorizar cada ato e não apenas como algo jogado apenas para dar um fundo, e isso que muitas vezes não impacta é o que fica mais gostoso de acompanhar.

Enfim, ficou um texto até maior do que imaginava falar quando saí para ir à première do filme que o Cinépolis e o Shopping Iguatemi Ribeirão nos proporcionou, mas também ficou bem menor por me conter em não lotar o texto de spoilers, e que daria uma discussão de horas sobre tudo que o longa nos impacta com suas mensagens de para onde o mundo está indo com tanto preconceito, guerras e discriminações, além claro do teor religioso que quem conseguir pegar irá ter uma outra visão do filme. Com muita certeza recomendo para todos, pois mesmo tendo alguns defeitos como cenas exageradas e improváveis tais como as que acontecem nos últimos momentos por ter um bebê em cena fazendo mil estripulias e algumas técnicas visuais onde aparecem a computação gráfica, o filme ainda mantém todo o seu valor e deverá ser lembrado por muito tempo como um dos grandes desse ano. Bem é isso, esse foi apenas o começo de uma semana que terei muitos filmes para conferir e compartilhar minha opinião com vocês, então já deixo esse como sendo a primeira boa indicação para o fim de semana, e logo mais estou de volta com mais algum post, então abraços e até lá pessoal.

PS: É um filme excelente que até poderia dar 10 Coelhos, mas tirando filmes que abusos são coerentes eu relevo certas coisas, mas dessa vez a tentativa era de algo mais sério, então melhor dar um descontinho.


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